Sensibilidade microbiológica em cerveja

Brewery

Identificar, controlar e eliminar os microrganismos contaminantes no processo cervejeiro
têm sido, nos últimos anos, um dos maiores desafios enfrentados pelas cervejarias

* Por Cesar Rodolfo

A o longo dos séculos produzir cervejas de excelente qualidade tem sido o desafio enfrentado por cervejeiros de todo o mundo. Considerada por muitos como uma bebida “viva” e, especialmente por sua qualidade estar intimamente ligada ao processo de fermentação do qual resulta, a principal atribuição do cervejeiro está em criar as condições perfeitas e garantir que as leveduras possam desempenhar adequadamente o seu papel.

Titelbild_DMDDisponibilizar os nutrientes necessários, proporcionar a temperatura ideal, manter a vitalidade e a pureza das cepas de leveduras empregadas, são alguns dos fatores primordiais para o sucesso da elaboração de uma cerveja. Infelizmente ao promover o ambiente favorável para a multiplicação das leveduras, outros microrganismos indesejados (aqui chamados de contaminantes) terminam por ingressar no processo, impactando negativamente no resultado deste.

Manter os microrganismos contaminantes em níveis adequados no processo cervejeiro tem demandado esforços consideráveis por parte das indústrias, exigindo uma rigorosa rotina de controles ao longo de todo processo de elaboração bem como nas matérias-primas nele empregadas. As condições gerais do ambiente produtivo, dos manipuladores e dos processos de higienização necessitam ser adequadamente controladas, garantindo assim a qualidade esperada para o produto final.

Apresenta-se aqui um pequeno resumo a respeito da sensibilidade microbiológica da cerveja, suas características intrínsecas, peculiaridades do processo de elaboração e controles necessários para que se possa conferir a proteção necessária à bebida frente aos microrganismos contaminantes.

A baixa disponibilidade de oxigênio, gerada pela presença de CO2, aliada a baixos valores de pH constituem importantes fatores de inibição microbiana na cerveja, os quais somados ao poder bacteriostático exercido por constituintes presentes na bebida, como o lúpulo e o álcool, complementam a sua estabilidade microbiológica.
Nutricionalmente, a cerveja pode ser considerada um meio deficiente para uma grande parte dos microrganismos, uma vez que durante a etapa de fermentação, as fontes de Carbono e Nitrogênio são praticamente exauridas pela ação das leveduras. Por outro lado, substâncias provenientes do metabolismo intermediário das leveduras e outras por elas excretadas durante a autólise das células, podem ser utilizadas como fonte de nutrientes e metabolizadas por eventuais microrganismos deteriorantes.

As matérias-primas empregadas na elaboração do mosto (malte, água, adjuntos etc.), trazem consigo uma extensa flora microbiana a qual, nas etapas iniciais da elaboração (maceração e fervura), será significantemente reduzida, pelo uso de calor requerido por esses processos.

Os microrganismos capazes de resistir ao processo térmico (esporulados) não devem constituir um grande perigo, uma vez que a rápida queda no valor do pH e as temperaturas reduzidas às quais encontrarão na etapa de fermentação impedirão o seu crescimento.

Atenção especial deve ser dada às etapas posteriores a fervura, onde pela ausência do calor, qualquer microrganismo contaminante que venha a ingressar no processo, encontrará um ambiente bastante favorável para sua proliferação; portanto, qualquer matéria-prima que possa ser adicionada posteriormente e até mesmo o oxigênio ou o ar empregados na etapa de aeração, podem constituir um agente contaminante importante.

Um rápido resfriamento do mosto aliado a excelentes condições de sanidade dos equipamentos (resfriadores, tubulações, tanques etc.) são maneiras de impedir uma recontaminação no mosto terminado. A água de enxague utilizada após a etapa de sanitização deve ser controlada a fim de se garantir que ela também não seja um veículo para possíveis microrganismos contaminantes.

Durante a fase inicial do processo de fermentação, a vitalidade das células de leveduras e sua capacidade de multiplicação influenciarão diretamente no sucesso de sua competição contra outros microrganismos, naturalmente presentes no ambiente da fermentação. A temperatura correta aliada ao correto grau de aeração do mosto auxiliarão de maneira decisiva no sucesso da etapa de fermentação.

A robustez e a resistência microbiológica de uma cerveja estarão diretamente relacionadas com o somatório de todos os fatores anteriormente apresentados. Observa-se assim um aumento gradual na segurança microbiológica da bebida adquirida ao longo de suas etapas de fabricação.

Tabela 1É possível que algum tipo de cerveja não apresente uma ou mais das condições listadas na tabela 1, como por exemplo uma cerveja não filtrada e/ou não pasteurizada. Para isto, sempre é ideal que alguma outra característica seja favorecida, como por exemplo, teor alcoólico e/ou dosagem de lúpulo, mantendo assim a segurança da bebida.

Tabela 2 certa

Apesar das restrições proporcionadas pela sua composição e pelos processos empregados em sua fabricação, um grupo de microrganismos em especial possui a capacidade de sobreviver e se multiplicar na cerveja.

Identificar, controlar e eliminar esses microrganismos tem sido, nos últimos anos, um dos maiores desafios enfrentados pelas cervejarias.

A presença desses microrganismos no processo tem uma série de consequências negativas, como:

  • Interferência e redução da eficiência de fermentação;
  • Alteração e comprometimento da qualidade sensorial;
  • Acidificação, turbidez, sedimentação e má formação de espuma;
  • Redução do shelf-life do produto;
  • Rejeições e devoluções de lotes do mercado etc.

Esses microrganismos, fazem parte da microflora natural do ambiente cervejeiro, sendo encontrados nas matérias-primas, na água, em equipamentos inadequadamente higienizados, nas embalagens que retornam do mercado e também no ambiente (ar).

A presença de lactobacilos na cerveja altera seu sabor causando off taste, deixando-a ácida e “lática”, podendo isso ser realizado de forma proposital para que se confira uma diferenciação sensorial à bebida. Cervejas tipo Berliner Weiss são um exemplo desse uso.

Modernamente, os microrganismos contaminantes vêm sendo estudados e classificados conforme seu potencial de deterioração e risco de infecção no decorrer do processo, dividindo-se em quatro importantes grupos conforme demonstrado na tabela 2.

Uso de matérias-primas e processos diferenciados

Atualmente, com a diversificação no mercado de cervejas, encontrar e oferecer novas alternativas e experiências sensoriais aos consumidores têm sido uma busca constante. Nesse cenário, o uso de novas matérias-primas aliadas a novos processos de elaboração resultam em cervejas igualmente inovadoras e criativas. Uma avaliação criteriosa dessas matérias-primas, de sua potencial carga microbiana e as melhores formas de adicioná-las ao processo sem comprometimento da qualidade microbiológica da bebida, constitui hoje um dos grandes desafios no desenvolvimento de novas cervejas.

Sucos de frutas, outras fontes de carboidratos, raízes, plantas e vegetais regionais, são algumas matérias-primas recentemente empregadas na elaboração de novas cervejas. Um tratamento prévio e uma padronização destas matérias-primas em relação às suas características microbiológicas e físico-químicas certamente ajudarão a alcançar um produto final de qualidade e aceitação mais adequados.

Destacam-se ainda processos diferentes dos tradicionalmente adotados os quais têm sido cada vez mais empregados na elaboração de cervejas como: dry-hopping, envelhecimento com carvalho, etapas de re-fermentação , envase de cervejas não-filtradas e/ou não-pasteurizadas. Esses e outros processos além de conferir a diferenciação sensorial desejada, terminam também por influenciar no aumento ou diminuição da sensibilidade microbiológica das cervejas onde são empregados.

Controles e monitoramento

A realização de um monitoramento microbiológico, analítico e periódico, é atualmente a melhor maneira de conhecer os níveis de contaminação existentes numa planta de fabricação. Esse monitoramento será sempre mais eficiente se tiver seu foco na prevenção e não simplesmente na análise do produto acabado. Assim, amostras de água, controles de higienização por swab, avaliação do fermento utilizado, entre outros, são de suma importância na realização desse trabalho.

Conhecendo-se a natureza dos principais microrganismos deteriorantes, sabe-se que estes são pouco resistentes ao calor. De posse desta informação, será sempre mais produtivo focar todos os esforços de controle na “zona fria” do processo, a qual se inicia com o resfriamento do mosto.

Análises microbiológicas

Análises microbiológicas têm sido incansavelmente realizadas pela indústria cervejeira mundial e são atualmente a forma mais adequada de medir os níveis de contaminação no processo de fabricação.

Nestas análises, cria-se em escala laboratorial, um ambiente ótimo, fornecendo através de um meio de cultura apropriado, todos os nutrientes necessários ao crescimento dos microrganismos de interesse. A composição adequada do meio de cultura é de fundamental importância para impedir o crescimento da levedura cervejeira, conferindo assim a seletividade necessária para a análise.

A criação de um ambiente que simula em todos os aspectos o processo cervejeiro é indispensável. Para isso, toda análise deve ser conduzida sob uma atmosfera de CO2 além de uma temperatura em torno de 27oC, ótima para o crescimento dos deteriorantes.

O uso de um meio de cultura estéril e comprovadamente livre de microrganismos é de fundamental importância.

 

Tabela 3

Cada etapa do processo a ser analisada requer o uso de um meio de cultura apropriado e, especialmente, ajustado em sua seletividade. Exemplos de meios de cultura com seletividade variada e a etapa do processo onde seu uso é mais indicado, estão demonstrados na figura 4.

Figura4

* Cesar Rodolfo
Technical Key Account Manager
Quality & Food Safety Solutions Döhler América Latina
cesar.rodolfo@doehler.com.br – www.doehler.com.br
NBB é uma marca registrada de meio de cultura, produzido e comercializado exclusivamente por Döhler GMBH. Desde 1980 no mercado, é utilizado por mais de 1000 cervejarias ao redor do mundo e anualmente, cerca de 3 milhões de amostras são analisadas com este meio.

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