Cervejaria verde

Os problemas climáticos exigem atitudes mais contundentes
das empresas quanto aos seus processos de produção

MICHAEL TROMMER

Pesquisas têm mostrado que em toda parte do Planeta o ambiente está ficando mais quente. Catástrofes ambientais estão cada vez mais frequentes, como inundações, temporais, secas.

Além das catástrofes, outros pontos preocupantes são a falta de água e a escassez de alimentos.

Apesar dessas dificuldades, a sustentabilidade ainda não faz parte da estratégia de diversas empresas e nem é vista como difenrencial na decisão de compra da maior parte da população. Mas, essa situação está mudando.

As indústrias cervejeiras estão desenvolvendo ações para reduzir o consumo, a emissão de produtos do processo e os serviços durante a produção, algo entre 20% e 50% do consumo de entrada de materiais. A opção preferida oferece a produção limpa com a redução de resíduos na fonte.

Este artigo trata sobre redução do consumo de energia elétrica e água, dos subprodutos formados no processo cervejeiro e seu realocamento ou aproveitamento.

Para uma efetiva produção limpa o cervejeiro deve adotar o conceito verde nas novas tecnologias cervejeiras com eficientes formas de reduzir o consumo, emissões, uso de água, eletricidade e o reuso dos resíduos.

Conceito de sustentabilidade

Sustentabilidade é um termo usado para definir ações e atividades humanas que visam suprir as necessidades atuais dos seres humanos, sem comprometer o futuro das próximas gerações. Ou seja, a sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e material sem agredir o meio ambiente, usando os recursos naturais de forma inteligente para que eles se mantenham no futuro. Seguindo estes parâmetros, a humanidade pode garantir o desenvolvimento sustentável.

Energia

Quanto menor o consumo de energia para determinada operação mais sustentável é essa ação.

Para o processo de uma cervejaria necessitamos da energia em várias formas. Esta energia é obtida através de formas convencionais, como gás natural, GLP e elétrica. Uma alternativa é a energia renovável que pode substituir e diminuir o consumo de energia elétrica e das outras energias convencionais.

Em uma avaliação, a nível mundial de consumo de energia, nas maiores cervejarias, chegou-se em uma média de 57,5 Kw/hl.
Segundo a Ziemann International, cervejarias com produções até 1 milhão de hl por ano podem chegar a energia de calor de 25 Kw/h/hl até 33 Kw/h/hl e elétrica de 8 Kwh/hl até 14 Kwh/hl. Logicamente, cervejarias menores apresentam consumos maiores de energia por hl.

Energia regenerativa

Capaz de substituir em vários pontos a energia convencional dentro da cervejaria.

Coletores solares: Para ganho de água quente. Após o aquecimento solar da água deve ser feito o final do aquecimento de forma convencional em alguns casos.

Fotovoltaica: a energia solar é transformada em energia elétrica diretamente (como o consumo é elevado durante o dia em cervejaria pode ser usado).

Biogás: Do efluente da cervejaria é obtido metano. Isso apenas compensa em cervejarias grandes.

Geotermal: Energia obtida do interior da terra.

Energia do vento: em um sistema de energia do vento com ajuda de rotores é possível transformar em energia elétrica.

Sistemas que trazem menor consumo de energia:

  • Condensado do vapor da tina de fervura: vide “Emissão da brassagem, mais adiante”.
  • Economizador pós caldeira: Para o ganho de calor do gás de queima da caldeira. Os gases passam por serpentinas e estas serpentinas aquecem a água de reposição da caldeira.
  • Sistema de queima de bagaço: vide parte de “Queima do bagaço para ganho de energia calorífera”.
    Aquecimento direto das tinas de mostura e fervura. Para microcervejarias o fogo direto é uma solução para as tinas de mostura, fervura e aquecimento de água.
  • A eficiência/rendimento do fogo direto na tina sem caldeira fica em torno de 81% e no caso de utilização do vapor em contato com a tina em torno de 68%.
  • Ar comprimido: a rede de ar deve estar com as pressões bem equilibradas e ajustadas conforme indicação do fornecedor e sem micro vazamentos.

Utilização da água de forma sustentável

Com o conhecimento do ciclo da água e tendo o sol como grande motor é possível fazer a água evaporar. As nuvens formadas pela evaporação da água se transformam na chuva.

Como a chuva, a neve serve de reposição da água subterrânea, mas apenas uma parte atinge o lençol freático, a maior parte é absorvida pelas plantas ou volta para o mar em forma de rios.

A água do lençol freático é a principal fonte de água para consumo e elaboração da cerveja e, por isso, deve ser valorizada e protegida.
Limpar a água subterrânea é trabalhoso para torná-la novamente limpa.

O consumo de água em cervejarias de grande porte em 2012 estava em 4,4L. Para micro cervejarias o número fica em torno de 5L de água para 1L de cerveja. As fábricas da Ambev já trabalham com consumo de 3,04 litros por litro de cerveja produzida.

Proteção das águas

Estabelecer formas para que a água da chuva possa penetrar com maior facilidade no solo, como por exemplo, em vez de cimentar ou asfaltar, utilizar grades de cimento com grama plantada em seu interior.

Cervejarias que usam água pública é indicado saber sua origem, estado e tratamento utilizado.

Cuidados com poços

Mesmo que ocorra a perfuração de poços ou para utilização do calor do solo é preciso muito cuidado na furação devido ao risco de sujar a água subterrânea.

Não se deve tirar mais do que 80% da vazão nominal de um poço e manter sempre constante a retirada, para proteger a água do subsolo.

De grande importância é vedar a entrada de água da superfície para dentro do poço.

Efluentes

Os efluentes dependem do tambanho da cervejaria, podendo ficar entre 2,2 até 3,3m3 por hl de cerveja vendida, segundo Brewers of Europa.

O objetivo principal é baixar o consumo de água e reduzir o teor de materiais orgânicos no efluente.

O biogás produzido pelo processo anaeróbico da estação de tratamento de efluentes pode ser usado como combustível no processo cervejeiro.

Resíduos e detritos

Não é apenas o controle da energia elétrica e água, mas também outros resíduos da cervejaria, que devem ser realocados e eliminados.

Bagaço de malte

É interessante utilizar o bagaço como alimento para gado, por ser um alimento complementar com muitos nutrientes.

Como nem sempre o criador de gado necessita de bagaço de malte ele pode ser seco e assim o tornar estável e não perecível. Mas o custo deste processo é caro e deve ser considerada sua viabilidade econômica.

Queima do bagaço

Para a queima do bagaço deve ser usado um sistema de secagem onde primeiramente o bagaço é estabilizado através da retirada da água. Por fim, o bagaço na forma estável é enviado para um silo de estocagem. Quando o bagaço espremido for necessário, é enviado para uma caldeira que gera vapor. É formado vapor saturado ou vapor seco que é enviado para o processo.

Desta forma é possível a produção de 90% da energia primária (kunze,2011). Deve ser queimado em conjunto com o bagaço os rótulos danificados durante o processo de rotulagem das garrafas. A cinza do bagaço é rica em fosfato e muito procurada como adubo para a agricultura.

A água retirada do bagaço possui um BSB5 elevado, pode ser utilizado para produção de biogás e este biogás pode ser usado na cervejaria.

Trub

O trub precipita como um cone invertido no centro do fundo do whirlpool, mas raramente o trub é separado do mosto por centrifuga ou por tanque de decantação.

Na maioria dos casos, o trub apresenta mosto possível de ser recuperado, ou seja, pode voltar para o processo de produção. Se isso não acontecer, este trub pode ser enviado direto para o silo de bagaço.

Levedura excedente

Pode-se calcular de 1,7kg até 2,9kg de levedura sobrante por hl.

A solução mais fácil é vender essa levedura rica em proteínas e vitaminas para ração animal.

Antes de ser comercializada, a levedura deve ser estabilizada, para não prejudicar a saúde dos animais.

Outra forma de reaproveitamento é na indústria farmacêutica através de ganho das vitaminas da levedura.

Terra filtrante

Deve ser calculado de 400kg até 700kg de barro de terra diatômica para cada hl de cerveja após a filtração.

Uma forma de regeneração de terra filtrante é através do método Tremonis.

Nesse método, a lama da filtração das cervejarias é primeiramente homogeneizada no tanque de mistura. Após a mistura, é retirada a água da lama; essa água é enviada para um efluente biológico onde é tratada. O que fica retido da lama é chamado de torta de filtração- a mesma é pressionada, seca, ficando sem água. Esta torta de filtração passa por uma etapa térmica formada por vários processos, onde o ar de escape e recirculação para resfriar a terra filtrante passa por filtros biológicos.

O método Tremonis, com tratamento térmico do barro de terra filtrante, é uma técnica de custo elevado. Esta terra diatomácea regenerada pode ser misturada até em 50% com terra diatomácea virgem, diminuindo a demanda de utilização de terra diatomácea retirada da natureza.

Para ficar livre deste barro, muitas cervejarias extraem 50% de água da lama e criam uma massa quebradiça, que pode ser distribuída nos campos através de máquinas agrícolas de adubagem.

A terra filtrante também pode ser misturada com outros componentes para fabricação de telhas, asfalto e cimento.

Devido ao alto custo, é interessante a substituição da terra diatomácea por outros auxiliares de filtração.

Etiquetas usadas

Na lavagem da garrafa são formados aproximadamente 1,5 tonelada de rótulos para 10.000 hl de cerveja envasada, que são extraídos da lavadora de garrafas retornáveis.

Na lavadora de garrafas, as etiquetas são peneiradas e, em seguida prensadas, por terem absorvido uma quantidade elevada de soda cáustica que retorna para a lavadora.

Atualmente, este rotulo é utilizado como matéria prima para queima, junto com o bagaço do malte.

Garrafas de vidro

A quebra de garrafas depende muito da qualidade do vidro.

Vidros de qualidade intermediária apresentam uma quebra de 0,5% de garrafas, aproximadamente 3,5 toneladas de quebra de vidro para 10.000 hl de cerveja envasada.

Este vidro é selecionado e colocado em caçambas e enviado para a fábrica de garrafas para ser utilizado para confecção de novas garrafas.

Latas

Latas vazias de cervejas, devido sua parede muito fina são sensíveis a pancadas, deve-se calcular uma perda que varia de 0,1% até 1% no processo.

As latas danificadas são prensadas e enviadas para serem novamente transformadas em latas.

Emissões

• Poeira

Nos transportadores de malte e na moagem seca forma-se poeira. Este pó deve ser sugado, juntado e segregado.

Este pó tem extrato, mas não é de qualidade, possui muito resíduo de casca. Este pó é recolhido em sacos ou silos e misturado com o bagaço.

• Brassagem

Na fervura do mosto evapora água e elementos voláteis do malte e do lúpulo.

A utilização de um condensador minimiza a evaporação em proporção elevada. Já na utilização de um recompressor, o vapor é totalmente recolhido em forma de condensado para ser utilizado não como água direta, mas indireta, ou seja, aquela que não entra em contato com o produto.

Este recompressor faz com que o vapor passe por um trocador de calor transformando o vapor em condensado, podendo ser usado no aquecimento do mosto, limpeza de caixas de cervejas vazias e lubrificação de esteiras no envase. Não pode ser usado como água de processo.

• Sonora

No engarrafamento e nos compressores de frio ou de ar o barulho é elevado. Assim, é aconselhável fazer duas paredes ao redor com isolante acústico (com certo distanciamento uma da outra e uma delas revestir internamente com material antirruído como por exemplo, lã de vidro).

As janelas com vidro duplo ou triplo com revestimento na esquadria de borracha ou material similar, reduzem em até 70% o ruído.

Existem vários materiais que podem ser utilizados para o teto, por exemplo, papel moído com cola que é misturado e jateado no teto. Quanto mais grosso menos ruído passa.

Cervejaria verde

A energia renovável pode ser utilizada em cervejarias sem dificuldades. As cervejarias que usam energia renovável são chamadas de cervejarias verdes.

A dificuldade para a construção das cervejarias verdes é o payback do investimento que não é de curto prazo.

Atualmente, pode-se operar uma caldeira de vapor, onde a água de adição, durante o processo ou para início de operação, pode ser aquecida através de energia solar e apenas o faltante de calor atingido pelo processo convencional.

O mesmo com biomassa é possível, sendo que ela libera menos carbono do que o combustível fóssil.

A biomassa deve ser um produto local de quantidade abundante. No caso do Brasil, o bagaço e as folhas da cana, ou ainda, uma parte da biomassa pode ser o bagaço do malte da própria brassagem preparado para queima.

A soda cáustica do CIP da brassagem, adega ou envase pode ser aquecida por energia solar, o vapor produzido por biomassa e a parte elétrica operada por energia eletro fotovoltaica. A lavadora e pasteurizador do envase podem ser operados da mesma forma.

Existem, atualmente, alguns projetos de cervejarias que podem ser usados como fonte de inspiração, conforme segue:

• Cervejaria Goess – fundada em 1860, localizada na cidade de Leoben, na Austria, possui 144 colaboradores e produz cerveja em lata e garrafa.
Para a produção de energia térmica, parte utiliza o bagaço da própria cervejaria que posteriormente à queima se transforma em adubo para agricultura.

Também foi feito um investimento no sistema de fervura de mosto reduzindo o consumo de energia térmica e água. Através da força da água é produzida parte da energia elétrica utilizada na cervejaria.

• A Cervejaria Paulaner (Do grupo Schörghuber e Brau Holding InternationalBHI), fundada em 1634 na cidade de Munique, Alemanha, em setembro de 2012 iniciou a construção de uma nova cervejaria em Munique, fazendo a transferência da levedura para sua nova instalação no dia 14 de agosto de 2015.Nesta planta nova, a Paulaner produz um quarto da energia térmica através do biogás captado de sua própria estação de tratamento de águas residuais e 60% da energia elétrica é gerada na própria cervejaria por cogeração.

• Cervejaria Krombacher – Foi documentada a primeira vez em 1803 por JohanesHass, localizada na cidade de kreutztal no distrito de Krombac, na Alemanha. Recentemente, foi instalada uma central de cogeração de energia que está em constante ampliação para gradativa substituição do combustível fóssil, conforme informou o diretor de tecnologia da empresa, Helmut Schaller.

• Cervejaria Radeberger – Fundada em 1952, em Frankfurt, na Alemanha. Segundo o porta voz, BirteKleppien, metade da energia elétrica e de calor é produzida pela própria cervejaria com constante aumento até atingir 65% do consumo.

• Cervejaria Bitburger – Fundada em 1817 com sede em Bitburg, Eifel, Alemanha. Investiu em uma sala de brassagem onde ocorre o armazenamento de energia em até 30% proveniente do processo de elaboração da cerveja.

No Brasil existe a preocupação por parte das cervejarias com a sustentabilidade.

A Ambev em seu site Sustentabilidade, 2017, fala das embalagens Ecofriendly, que segundo a empresa é a primeira embalagem PET 100% reciclada do Brasil e utilizada no envase do Guaraná Antarctica. No mesmo site, a Ambev comunica a seus consumidores que 37% da matriz calorífera é proveniente de biomassa e 70% do material usado na elaboração das garrafas, feitas pelo grupo, não é virgem e sim reciclado.

Referências bibliográficas

CORDELLA M; TUGNOLI A; SPADONI G; SANTARELLI F; ZANGRADO T.; LCA of an Italian Lager Beer: LCA Case Studies. International Journal of LCA, 2008.
DRANBREW, UN Cleaner Production Assessment Water and Wastewater. Uganda Breweries Ltd. 2007.
KUNZE, W. Tecnologie Brauer & Maelzer VBL, Berlin Germany,2011.
LENDERE L; MOEDINGER MANFRED; Nachhaltigkeit in Handwerksbrauereien, Nurenberg,Hans Carl, 2014.
WALTER S., GLAS, K., PARLAR, H.. Wassermanagement in der Getranke. IndustrieBrauwelt, 2005.
Michael Trommer
www.portalosaberdacerveja.com.br

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