Produzir cerveja com leveduras selvagens é sempre um desafio mas,
ao mesmo tempo, um enorme prazer desenvolver uma cerveja através desse processo
Michael Trommer
As Leveduras selvagens foram responsáveis por fermentar a primeira cerveja que foi a antepassada de todas as cervejas.
O processo de isolamento das leveduras de cerveja teve como objetivo chegar nas leveduras atuais, Ale e Lager. Para isso foi necessário muito trabalho e horas para selecionar a levedura de acordo com importantes fatores, como: tolerância a álcool, floculação, perfil organoléptico etc.
Nas cervejas espontâneas, com verdadeiros microorganismos selvagens, ocorre um processo de fermentação mais arriscado do que quando se utiliza culturas conhecidas, provenientes de laboratório, devido ao não conhecimento dos microorganismos que inocularam o mosto.
As cervejas lambics da Bélgica são as únicas cervejas espontâneas que sobreviveram ao tempo. Para fazer a melhor cerveja, os belgas misturam cervejas com datas diferentes de produção, que maturaram em barris por tempo indeterminado.
Por décadas essas cervejarias reutilizavam os barris que armazenaram a melhor cerveja e se livravam dos barris que não traziam o resultado desejado. Muitas cervejarias queimavam estes barris na caldeira.
Cervejas que apresentavam uma flora de microorganismos que produzia cervejas de alta qualidade, eram inoculadas no mosto de uma nova batelada, afim de repetir a mesma qualidade.
Algumas cervejarias utilizavam a espuma que transbordava dos barris em fermentação para inocular uma nova produção de mosto.
Muitos microorganismos encontrados no ar na Bélgica, também são encontrados no mundo todo, entre eles: Saccharomyces, Pediococcus e Bretanomyces, que podem ser utilizados para produção de cervejas similares, ou quase iguais às encontradas na Bélgica ou em outra parte do mundo.
O mosto pode ser produzido de várias formas diferentes, mas o objetivo sempre é obter um mosto de baixa capacidade de fermentação para um crescimento lento dos microrganismos durante esse processo que sempre é demorado neste estilo de cerveja.
A fermentação espontânea acontece em uma mostura turva, onde ainda encontramos amido no mosto durante a fervura. Na verdade, não se deseja exatamente um mosto turvo, mas sim um mosto com pouco repouso de sacarificação em temperatura acima de 70ºC.
Fermentação espontânea se beneficia do lúpulo envelhecido
O lúpulo envelhecido deve ser usado neste estilo de cerveja, com o objetivo de proteger contra as bactérias do tipo Termófilos que amam o mosto quente. Estas bactérias Termófilos do tipo láctico, reduzem o pH do mosto, muito antes que a Levedura Sacchromices tenha tempo suficiente para terminar a fermentação.
Uma fervura longa é o método para concentrar o volume de mosto e extrair o máximo do efeito de preservação do lúpulo envelhecido.
Para inoculação do mosto, algumas cervejarias deixam o mosto na parte externa da fábrica
Tradicionalmente é dito que o melhor local para resfriar o mosto e inocular o mesmo é perto de pomares e vinhedos, onde as frutas maduras caem do pé e as leveduras que gostam de açúcar aproveitam os microorganismos para fermentação. Algumas destas leveduras são muito apropriadas para cervejas azedas.
No entanto, depois de vários estudos foi verificado que locais urbanos para inocular o mosto são melhores, devido a elevada atividade, que garante uma quantidade maior de microorganismos para a inoculação do mosto, os quais consomem o açúcar no ar. Esta teoria é comprovada pela cervejaria Cantillon, localizada dentro da cidade de Brussel, na Bélgica.
A temperatura externa é a melhor para a captura e propagação de microorganismos para produção de cervejas azedas, devido ao fato de estar adaptada a esta temperatura.
Os belgas preferem produzir as cervejas espontâneas no inverno, para deixar menos tempo na temperatura que as bactérias do tipo Termófilos atuam, que é a temperatura do mosto durante o resfriamento (20ºC-75ºC).
Deve-se usar um recipiente com superfície grande, onde o mosto resfria e evapora, chamado de Shallow Vessel. Desta forma, dissipa- se o calor obtendo-se uma grande área de inoculação do mosto.
Se o resfriamento for indoor deve-se abrir as janelas e ligar o ventilador sobre o mosto para trazer mais microorganismos.
Veja também
Existem cervejarias que deixam o mosto na parte externa da fábrica para a inoculação. Em Vermonte, nos EUA, uma cervejaria produz cerveja com fermentação espontânea, quando a temperatura fica abaixo de -18ºC. Esta cultura de fermentação é usada para a inoculação de todas as cervejas Sours que são produzidas pela cervejaria.
No Alasca uma cervejaria abriu janelas móveis em alguns barris de madeira, ao redor da área do sifão. Esses barris são deixados por algum tempo ao ar livre, cheios de mosto fresco para serem inoculados.
Sem adição de levedura pura, os microorganismos selvagens levam uma semana para apresentar sinais de fermentação no mosto inoculado.
Depois de resfriado o mosto, em menos de 24 horas, ele deve ser armazenado em fermentadores fechados ou barris.
Exposto o mosto ou cerveja por muito tempo ao ar ocorre a produção excessiva de ácido acético e outros flavors indesejados na cerveja pronta. Este tipo de cerveja deve ficar estocada no mínimo um ano, antes de sofrer a blendagem e ser comercializada.
Para ter um caráter mais limpo, puro da cerveja, deve-se retirar o trub do mosto no início da fermentação.
O sistema tradicional de fermentação das cervejas espontâneas ocorre em recipientes abertos. Para se ter uma cerveja mais suave, menos acética, deve-se selar o tanque ou o barril e deixar a cerveja longe do ar. A cerveja da Cantilon, por exemplo, passa por este processo.
A cervejaria deve ter uma grande variedade de cervejas para fazer o blend. Para isto, a cervejaria deve inocular fabricações de mosto em diferentes locais e épocas do ano.
Sem adição de levedura para os microorganismos selvagens leva uma semana para apresentar sinais de fermentação
Atualmente, este processo pode ser controlado e é feito com microorganismos puros que são comercializados conforme mostrado abaixo:
Lactobacillus buchneri
Cepa de Lactobacillus utilizada para a produção de cervejas ácidas. Pode ser aplicada em Kettle sour/mash, em fermentações secundárias ou juntamente com a levedura na fermentação primária. Produz uma acidez muito limpa. É um microrganismo heterofermentativo e uma das únicas espécies de Lactobacillus que cresce muito bem em baixas concentrações de oxigênio. Não é necessário fazer uma cama de CO2 para a acidificação do mosto. É sensível ao lúpulo. Não atenua o mosto cervejeiro.
Lactobacillus brevis
Cepa de Lactobacillus utilizada para a produção de cervejas ácidas. Pode ser aplicada em kettlesour/mash, em fermentações secundárias ou juntamente com a levedura na fermentação primária. Tipicamente, produz uma acidez acentuada e tolera baixos níveis de IBU. Produzirá álcool juntamente com ácido lático ao longo da fermentação. Necessita de uma capa de CO2 para acidificação do mosto. Excelente para misturas em Red Flanders Ale e lambics.
Brettanomyces claussenii
Levedura utilizada na fermentação secundária de estilos de cervejas Belgas e Lambics. Produz menor intensidade de aromas e sabores característicos de Brett como funk, curral, caprílico quando comparada com a B. bruxelensis ou B. lambicus. Por outro lado, produz intensos ésteres de frutas tropicais e abacaxi. É tipicamente utilizada junto a outras leveduras e bactérias láticas. Fermenta de forma mais eficiente mostos com pHs reduzidos. Forma película em barris e garrafas.
Pediococcus sp.
Bactéria anaeróbia estrita, muito sensível ao oxigênio. Resistente ao lúpulo e altas concentrações de etanol. Exímio produtor de ácido lático e diacetil. Sempre utilizar Pediococcus juntamente com Brettanomyces para eliminar o diacetil. Muito utilizada para produção de cervejas gueuze e outras cervejas da escola belga.
Brettanomyces lambicus
Levedura utilizada para a fermentação secundária de estilos de cervejas belgas e lambics. Muito utilizada para a refermentação em garrafas adicionando à cerveja características de Bretta. Produz sabores característicos de Brettas como fenóis, madeira queimada, funk e alguns ésteres que remetem a cereja. Manter com a menor oxigenação possível para evitar acidificação acética em exagero. Necessita de um tempo de 3 a 6 meses para desenvolver plenamente todos os sabores.
Brettanomyces bruxelensis
Levedura isolada da região de Bruxelas na Bélgica, responsável pelos tradicionais sabores de estilos como lambic e gueuze. Pode ser utilizada para a fermentação secundária, refermentação em garrafas ou fermentação 100% Brett. Forma uma película tanto em barris como garrafas. Na presença de oxigênio irá produzir alguns esteres, como de frutas maduras, podendo chegar a excessiva produção de acetato de etila (solvente). Responsável pelos aromas de cavalo, curral, estábulo. (Retirado do site da Levetek).
Lambicus dexterius
Esta cerveja é brassada no período do outono para o inverno, quando o clima está frio, mas não gelado. O mosto é turvo, onde tem 70% de Pilsen e 30% de Trigo não maltado. A fervura leva 3 horas. Depois de completar a fervura, o mosto é pulverizado dentro de um fermentador raso e aberto.
Durante a noite é sugado ar externo sobre o mosto para fazer a inoculação. Na manhã seguinte, este mosto inoculado com microorganismos do ar é transferido do Fermentador para barris de madeira.
Os barris são escolhidos de forma muito minuciosa, são retirados os barris com cheiro desagradável e com camada de microorganismos. Estes barris são lavados com água quente, por fora e por dentro, na temperatura de 71ºC até74ºC.
Nesta temperatura os microorganismos que se encontram dentro da madeira sobrevivem. O objetivo desta lavagem é eliminar apenas os microorganismos fora da madeira do barril. Segundo o cervejeiro da Lambicus dexterius, estes microorganismos que se encontram dentro da madeira são muito importantes para um início de fermentação rápido e saudável do mosto.
Para fazer o Blend são degustados todos os barris, com mais de 1 ano. A Lambics dexterius é usada para blendagem de outras cervejas de fermentação espontânea da cervejaria.
Michael Trommer
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