Fórmula complexa

Chemistry-LaboratoryIndústria de aditivos se esforça para acompanhar as novas exigências do consumidor, como produtos com fórmulas mais naturais, mas esbarra na legislação e entraves técnicos

Setembro de 2013

Por Nani Soares

Segredo do sucesso de qualquer receita, os ingredientes são itens que fazem diferença também no mercado de bebidas. Ao longo dos anos, a indústria de aditivos alimentares precisou se reinventar e desenvolver soluções adequadas ao novo paladar do consumidor, cuja preferência agora é por produtos naturais – ou ao menos que remetam a este conceito.

As novas exigências do consumidor e a preocupação da indústria em atender a essas expectativas resultaram em mudanças que vão desde à reformulação de bebidas tradicionais ao surgimento de novas, já desenvolvidas de acordo com os novos critérios de saudabilidade.

Adotar um portfólio mais “natural” não é tarefa fácil, porém. Se por um lado a indústria precisa inovar com frequência e manter o ritmo de lançamentos acelerados, por outro tem que manter o mesmo nível técnico e de qualidade dos produtos. Para isso, os fabricantes dependem não só do desenvolvimento de novos aditivos químicos (ou até reformulação dos existentes), mas principalmente precisam que essas “novidades” sejam capazes de suportar os processos de produção.

No rol de aditivos mais importantes para o setor estão os aromas, corantes e concentrados, responsáveis por proporcionar odor, sabor e cor às bebidas. As diferenças nas aplicações de cada um são claras: os aromas garantem as características da bebida, tornando-a única em relação ao sabor e odor. São formados por um conjunto de substâncias orgânicas voláteis, orgânicas ou não.

De acordo com a Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 02 de Janeiro de 2007, os aromas são classificados em três tipos: Natural, Idêntico ao natural e Artificial. Para um aroma ser considerado natural, ele deve ser composto 100% de substâncias aromatizantes naturais. No caso de um aroma idêntico ao natural, ele pode conter substâncias aromatizantes naturais e idênticas ao natural. No caso de um aroma artificial, pelo menos uma das substâncias é artificial, isto é, sintetizada pelo homem e não identificadas naturalmente em fontes de origem animal, vegetal ou microbiana.

Os corantes são os responsáveis por dar vida ao produto, auxiliando no apelo visual e final, garantindo a cor durante toda a vida útil da bebida. É o primeiro a impactar o consumidor e representa as frutas, ervas e outros ingredientes que se queira associar. Já os concentrados são mais complexos, sendo sistemas integrados usados para formar um único, o chamado “composto concentrado”. Geralmente contém em sua formulação o aroma, a polpa de fruta, o corante, os acidulantes e os conservantes, de forma padronizada e que facilita o controle de qualidade e estoque de matérias-primas.

Os aromas naturais tornam-se cada vez mais populares, sendo amplamente difundidos, tanto para seguir as diretrizes legais quanto para acompanhar as tendências de mercado e novos hábitos alimentares. Consequentemente, tem ocorrido uma redução gradual do uso de aromas sintéticos artificiais por parte das indústrias.

No topo do ranking de bebidas que mais passaram por mudanças em suas fórmulas estão os refrescos e pó (vitaminas e textura), sucos, néctares, energéticos e isotônicos. O desafio das empresas têm sido buscar combinações de sabores e variações de vitaminas com foco na segmentação, já que atender públicos específicos e distintos tornou-se a meta das companhias.

Um dos casos mais emblemáticos foi dos sucos de fruta prontos para beber (SPB), que no final de 2012 sofreram alterações na legislação. Por meio de uma Instrução Normativa, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) determinou que o percentual de fruta (suco ou polpa) nos néctares e refrescos de laranja e uva subisse de 30% para 50%, no mínimo. Também foi publicada uma nova lista de aditivos para sucos e néctares e o uso de aromas naturais tornou-se obrigatório.

Acuadas, as empresas reivindicaram uma mudança escalonada e aguardam novas definições. As mudanças se estenderam para outras categorias de bebidas, inclusive em relação à nomenclatura, como o repositor energético, que passou a se chamar suplemento energético, e o repositor hidroeletrolítico, que agora se chama suplemento hidroeletrolítico.Colours stand copy

Custo alto

Cada um dos aditivos demanda um processo específico. O aroma, por exemplo, pode demandar mais pesquisa para se chegar a um perfil aromático ideal, porém o concentrado pode requerer mais tempo para a busca da estabilidade através de pesquisas e tecnologias adequadas.

“São processos diferentes, pois cada um deles exige pesquisa e tecnologia para ser desenvolvido e aprimorado. No caso de aromas e corantes, pesquisas relacionadas à obtenção de substâncias naturais diretamente da fonte são cada vez mais intensas. Seja por uma nova matéria-prima inserida ou mesmo pela interação das matérias-primas usadas dentro do ‘sistema tecnológico’, cada um possui detalhes que são primordiais para o desenvolvimento”, explica Jane Vieira, gerente de Marketing da América Latina da Döhler.

O grande problema é que os aditivos naturais são instáveis. Com um corante natural, por exemplo, há uma maior dificuldade na estabilidade quando ele é aplicado nos produtos. Isso significa que a simples utilização de tratamentos térmicos (usados para aumentar o tempo de validade da bebida), podem desestabilizar o processo e resultar em perda da coloração ou tonalidade.

“Existe um grande potencial de mercado para ingredientes naturais, sejam eles aromas, corantes ou outros ingredientes. Porém alguns fatores não permitem que eles prosperem de forma rápida e com maior fluidez em um mercado como o brasileiro”, explica Jane.

Outro fator que impede a expansão das aplicações é o custo, muito mais alto quando trata-se de obter uma molécula natural, em detrimento de uma sintética. Além disso, a tecnologia de obtenção de moléculas naturais sem o uso de solventes não está disponível e facilmente obtida para todas as substâncias. As substâncias naturais também são mais suscetíveis a variações de parâmetros sensoriais/qualidade tendo, portanto, um tempo de shelf life menor. Por último, as exigências comerciais estão cada vez mais rígidas, aponta Jane.

“É cada vez mais difícil conseguir amostras para testes. A quantidade mínima produzida de aromas naturais é cada vez maior, o planejamento de estoque deve ser bem controlado a fim de evitar tamanha riqueza parada em estoque. Enfim, todo o processo de fabricação e comercialização de produtos naturais deve ser cuidadosamente estudado para que o negócio seja viável. Alta tecnologia facilita e muito o processo de fabricação, pois pode oferecer soluções bem interessantes, inovadoras e com custo equilibrado”, afirma.

Entre as bebidas que mais sofrem com a cobrança do consumidor por soluções mais naturais estão as carbonatadas, esclarece a executiva. A expectativa é que tanto essa categoria quanto o setor de bebidas em geral apresente soluções tecnológicas que tragam maior valor agregado para o consumidor, resultando em um portfólio mais saudável. Ao mesmo tempo, essas tecnologias e soluções devem otimizar o processo produtivo, tornando-o mais simples, conveniente e com melhores custos, como ocorreu com o envase asséptico.

“A indústria de ingredientes precisa oferecer aos seus clientes total suporte desde o conceito até a realização do produto. Isto inclui desenvolvimento e aplicação, qualidade de matérias-primas, soluções logísticas, suporte técnico e monitoramento do mercado. Sem estas ferramentas, o cliente não tem como avaliar qual o melhor caminho a seguir. O mercado aponta o caminho das soluções mais naturais, com mais nutrição e saúde, maior valor agregado para este consumidor”, avalia Jane.

Empresa, global, o grupo Döhler destina 10% dos recursos para as áreas de pesquisa e desenvolvimento, e mantém um time de especialistas dividido conforme as aplicações dentro dos segmento de bebidas e alimentos. Como um aroma pode levar de horas a meses para ser desenvolvido, o tempo demandado depende de diversas variáveis como o processo de fabricação, do briefing do projeto e de tempo e dedicação dos pesquisadores.

Caminho é tecnologia e inovação

Cecília Eichinger Strebe, aromista sênior das Duas Rodas Industrial confirma que buscar novos produtos, processos e tecnologias estão entre os principais desafios da indústria. O segmento de bebidas pode trabalhar tanto com o uso de aromas próprios (onde observa-se cuidadosamente a solubilidade e estabilidade dos componentes) como pode trabalhar também com soluções integradas, onde em um mesmo concentrado pode-se ter a parte aromatizante e a parte de corantes necessária para a bebida.

Segundo ela, o aroma pode demandar mais pesquisa para se chegar a um perfil aromático ideal, mas o concentrado pode requerer mais tempo para a busca da estabilidade. Quanto ao corante natural, a maior dificuldade está relacionada à estabilidade quando da aplicação.

“Observamos que os fabricantes de bebidas buscam produtividade, sendo guiados pelos consumidores C, D e E, cuja demanda é por produtos saborosos, nutritivos e com custo acessível. O novo perfil de consumidores, cheios de ideias e expectativas, está sendo decisivo para o sucesso do produto. Tudo parece convergir para uma mesma direção: qualidade de vida, saúde, longevidade”, ressalta Carlos Bartz, gerente de Atendimento Técnico a Clientes da Duas Rodas, assegurando que o mercado está cada vez mais ávido por novidades.

Entre as últimas, Bartz destaca as emulsões com sinergia de ingredientes, que permitem uma melhor palatabilidade para contribuir com a diminuição do uso de açúcar nas formulações, os blends de edulcorantes com intensidade e equilíbrio de sabor e os aromas frutais, com características de fruta fresca reproduzindo o sabor autêntico da mesma. “O caminho passa por tecnologia e inovação, seja de produtos para substituição de açúcar, corantes, seja por produtos oriundos de biotecnologia, buscando algo inédito, com produtividade”.

Apesar da tendência cada vez mais forte, a demanda por produtos naturais ainda é tímida, seja por questões de estabilidade, de custos e de disponibilidade de matérias-primas, diz ele, embora já existam no mercado bons exemplos de produtos “clean label”, o que deve ajudar a impulsionar a indústria de aromas e corantes. “Este momento também coloca as bebidas funcionais em alta, pois o público procura por qualidade de vida, o que inclui o consumo de antioxidantes, energéticos e todos os benefícios dos produtos funcionais”, completa o especialista.

Recentemente, a Duas Rodas adquiriu uma planta-piloto de UHT e está implantando o Innovation Center, um centro de pesquisa avançado criado para o desenvolvimento de novos ingredientes, processos e tecnologias.

Problemas no shelf life

Considerando a concorrência no setor, as indústrias de aditivos precisam investir muito em tecnologia e pesquisa, se quiser manter um portfólio de sabores sempre atualizado. Quem avalia é Colette Abud Kfouri, diretora da Fraccaroli, explicando que a empresa utiliza recursos como cromatografia, espectrofotômetro de massa, microscópico, vários tipos de extração, análise sensorial, homogeneizador, centrífuga e outros equipamentos de pesquisa. Entre os últimos aromas desenvolvidos estão o blue berry, o aroma de açúcar e o de catuaba.

A executiva garante que a dificuldade das indústrias está diretamente relacionada ao fornecimento das matérias-primas, vindas de fora e geralmente a um custo elevado. Importando dos mercados europeu, americano e asiático, a empresa chega a esperar um prazo de até 60 dias. Apesar disso, Colette assegura que ainda vale mais a pena do que adquirir matérias-primas no mercado nacional que geralmente não são encontradas e quando o são, têm qualidade questionável. A alternativa da Fraccaroli para amenizar o custo com importações foi fazer o maior número possível de parcerias.

O processo de desenvolvimento das soluções voltadas ao setor de bebidas não é rápido, o que também pode encarecer os custos. “O aroma está diretamente relacionado ao sabor a ser desenvolvido e ao tempo que se leva para fazer isso. Em se tratando de pesquisa não temos como prever com exatidão e surpresas podem surgir durante o desenvolvimento do projeto”, explica.

Para ela, os ingredientes naturais são excelentes ferramentas de marketing e reforçam o apelo de saudabilidade, mesmo que tecnicamente não seja o caso. A preocupação mundial com problemas como a obesidade mórbida e doenças cardiovasculares só reforçam o conceito, cada vez mais difundido em eventos como a Food Ingredientes, importante feira do setor. Já os sintéticos ocupam um papel cada vez mais secundário, embora devam se manter ainda por um bom tempo.

“Além do custo da matéria-prima, a grande dificuldade é o shelf life curto, o impacto de sabor e a disponibilidade no mercado brasileiro. O shelf life está melhorando, mas ainda é diferente. Não é possível dimensionar o impacto no sabor, por tratar-se de uma ciência, sem regras exatas e sob influência de diversas variáveis”. Ainda assim, o apelo junto ao consumidor é bem forte, garante. “O termo ‘natural’ sempre chama atenção e dá mais segurança para o consumidor comprar o alimento ou bebida com esta descrição. Entretanto, é preciso ressaltar que todo aroma é seguro”.

Legislação é entrave

Régis P. Inácio, coordenador de marketing da Vogler Ingredients, argumenta que o grande problema é que quando se fala em produtos saudáveis a principal associação é quanto à redução do açúcar, quando o conceito vai além disso. O processo de substituição do ingrediente também não é tão simples e deve ser muito bem balanceado. A substituição é uma mudança que pode interferir no sabor e alterar as características da bebida, desagradando o consumidor.

As bebidas funcionais, como as acrescidas de colágeno ou vitaminas, realmente são a grande oportunidade para o setor e devem ganhar cada vez mais espaço. Prova disso são os espaços que os supermercados já reservam para produtos com este claim ( promessa ou afirmação em relação a determinados benefícios), que já contam com gôndolas especiais.

No entanto, elas também representam um desafio para as empresas, já que os processos e características variam de bebida para bebida. E mesmo valorizando o aspecto da saudabilidade, o consumidor ainda prioriza o sabor, equação nem sempre fácil de ser resolvida.

A importância do sabor é determinante na hora da compra, em todas as categorias de bebidas. Uma das primeiras a enfrentar problemas nesse sentido foi o energético, com o sabor tendo rapidamente cansado o consumidor, o que demandou novas opções. Inácio explica que na linha de energéticos, além de ajudar no desenvolvimento de novos sabores, a Vogler aderiu à “onda verde”, substituindo substâncias como a Cafeína pelo Café Verde e introduzindo a Stevia.

“A principal dificuldade é a legislação, pois o governo quer que reduzamos a quantidade de açúcar nos alimentos e em bebidas, principalmente refrigerantes, e a concentração deste ingrediente é grande. Ao mesmo tempo, a legislação não permite a criação de refrigerantes híbridos, ou seja, que substitua parcialmente o açúcar por algum edulcorante”, afirma Inácio, citando a Argentina como um mercado onde vários diferentes já fizeram a substituição. No Brasil, rumo da indústria de aditivos vai depender, portanto, dos próximos passos regulatórios nesse sentido, explica ele. “Teríamos um grande salto na qualidade de bebidas no Brasil. Ainda acho que colocar o refrigerante como vilão é injusto. A alimentação e hábitos saudáveis são muito mais importantes do que somente substituir um refrigerante. O problema é o excesso”, completa.

Ainda assim, ele considera que as soluções evoluíram muito, principalmente porque tanto fabricantes quanto fornecedoras de aditivos estão empenhados e atuando em conjunto. Na Vogler, os aditivos são desenvolvidos a partir de um briefing detalhado do projeto, seguido de protótipos feitos em laboratório, onde podem ser realizadas avaliações sensoriais, dependendo das características do projeto e do próprio cliente. Só depois são apresentadas as primeiras versões do produto final. “Os produtos podem ter conceitos diferentes com redução de custo, melhoras sensoriais e saudabilidade, entre outros. E em nosso laboratório de P&D, ainda simulamos a produção do produto”, diz ele.

Além das bebidas funcionais, o executivo aponta as bebidas regionais como outra grande oportunidade, principalmente quando se considera as dimensões territoriais do País. “Há muito espaço para crescer, tanto na diversificação de sabores, quanto no lançamento de bebidas que respeitem algumas características locais”, salienta.

Novidades

Segundo Paulo Garcia de Almeida, especialista na área de Alimentos e Bebidas, de fato o conhecimento específico das características regionais é fundamental para o desenvolvimento de produtos que agradem o consumidor-alvo, podendo aumentar a competitividade. Muitas multinacionais que atuam no País possuem centros de pesquisa ou recebem in-put das outras filiais para trabalharem no desenvolvimento de produtos.

Por ser um setor que normalmente acompanha a economia do País, o mercado de ingredientes no Brasil sofreu uma evolução a partir do acesso de outras classes sociais a determinados produtos, resultando em novos desenvolvimentos por parte da indústria.

“Novos edulcorantes foram permitidos para uso em bebidas e cada vez mais bases e extratos naturais são disponibilizados. Substitutos de sal e gordura em alimentos, conservantes naturais e o estudo da relação neuro-sensorial para identificar novos flavors”, destaca ele.

A tendência irreversível é crescer a produção e o consumo de ingredientes naturais em alimentos e bebidas, pois o consumidor atual é muito mais esclarecido e exigente. Entretanto, os alimentos funcionais não assumirão sua devida função enquanto a legislação não for revista. “Os principais caminhos para o sucesso são deter o conhecimento da tecnologia de fabricação em escala industrial e aplicação em sinergismo com o domínio das inter-relações físicas e químicas que ocorrem com o produto”, conclui.

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