As leveduras, suas aplicações e técnicas de utilização

O entendimento melhor sobre as leveduras e técnicas de fermentação
contribuem para obtenção de cervejas com aromas e sabores
diferenciados, além de produtos de melhor qualidade

| LUDMILLA ANTONIAZZI |

Diz a lenda que o que fez com que o homem pré-histórico abandonasse a vida nômade foi a necessidade de produzir pão e cerveja. Acredita-se que a fabricação de cerveja tenha surgido por acaso, da fermentação espontânea de cereais. A existência da levedura e sua contribuição no processo de produção de cerveja era desconhecida, e uma prova disso é a Lei da Pureza Alemã, datada de 1516, que estabelece que os únicos ingredientes permitidos para a fabricação da cerveja eram água, malte de cevada e lúpulo.

Por volta de 1680, Antonie van Leeuwenhoek inventou o microscópio, através do qual foi possível observar que havia partículas vivas no mosto. Naquela época, devido aos processos precários de higienização, o que se observava não eram apenas células de levedura, mas também outros microrganismos responsáveis pela deterioração do mosto e da cerveja. Com essa invenção, Louis Pasteur se dedicou ao estudo da fermentação e fez grandes contribuições para a padronização da qualidade da bebida que conhecemos hoje.

A fermentação consiste em reações que transformam os açúcares em álcool, gás carbônico e energia, formando também alguns subprodutos. Os microrganismos responsáveis pela fermentação alcoólica na cervejaria pertencem ao gênero Saccharomyces, e são divididos em dois grupos: os de baixa fermentação e os de alta fermentação.

Leveduras de baixa fermentação: reproduzem-se e fermentam bem em baixas temperaturas (ranges variam de 5°C a 15°C), possuem um perfil aromático mais neutro, normalmente sedimentam no final da fermentação e formam uma maior quantidade de compostos sulfurosos. Além das características já mencionadas, são capazes de utilizar a melibiose (formada por galactose e glicose).

Leveduras de alta fermentação: são mais sensíveis a baixas temperaturas (abaixo de 10°C), trabalhando melhor em ranges de 15°C a 25°C. Normalmente produzem uma camada de espuma na superfície do tanque e, por isso, são chamadas de leveduras de alta fermentação. Produzem uma maior quantidade de subprodutos durante a fermentação. Esse tipo de levedura não consegue utilizar a melibiose.

Dependendo do estilo de cerveja a ser produzido e do processo a ser empregado, espera-se que a levedura atenda a uma série de requisitos, entre os quais se destacam:
• Fermentação rápida com características sensoriais adequadas;
• Fermentação eficiente, com maior rendimento de produção alcoólica;
• Culturas puras;
• Tolerância a alguns inibidores, tais como:concentração elevada de açúcar,álcool (já na fase final da fermentação) e CO2;
• Reduzida sensibilidade a temperatura;
• Propriedades de floculação e sedimentação na fase final da fermentação;
• Viabilidade final para reutilização (o que significa economia no processo);
• Estabilidade genética para as próximas fermentações (gerando um produto padronizado).

A escolha da levedura utilizada pela cervejaria depende de alguns fatores, como o volume da produção, equipamentos disponíveis, técnicas empregadas, estilo da cerveja produzida, disponibilidade de fornecedores, entre outros. Algumas cervejarias optam por propagar sua própria levedura. Para isso, porém, é necessário laboratório, alguns equipamentos e cuidados para evitar contaminações.

Caso o cervejeiro opte por adquirir uma levedura pronta para utilização, existem diversas cepas existentes no mercado. A levedura seca possui maior facilidade de transporte e armazenamento, devido sua embalagem de menor volume,e pode ser armazenada por mais de um ano. Já a líquida tem uma maior variedade de cepas disponíveis para o cervejeiro. Ambas podem ser reutilizadas.

Fermentação O ciclo de vida do fermento é dividido em cinco fases. Inicia-se com a fase Lag, quando a levedura é inoculada no mosto aerado. Nesse momento, o metabolismo da levedura é mais lento, pois está se preparando para o crescimento. Alguns fatores que influenciam essa etapa são a saúde da levedura, dosagem e temperatura do mosto. Normalmente essa primeira fase dura de 6h a 20h.

Figura 1 – Adaptado de OCKERT, K. (2006), MBAA.

A segunda fase é o crescimento,no qual a levedura utiliza os nutrientes do mosto e aumenta o número de células. É durante essa etapa que a maioria dos flavors, álcool, gás carbônico e calor serão produzidos. À medida que o ambiente se torna escasso em nutrientes, a fase de crescimento chega ao fim, atingindo o ápice do número de células, e diminuindo a velocidade da fermentação. Com a quantidade de nutrientes reduzida, e com a formação de álcool e gás carbônico, o ambiente se torna desfavorável,levando a levedura a entrar em fase estacionária. Depois disso ela irá flocular e, caso não seja coletada, começará a morrer e a liberar materiais celulares (autólise), prejudicando a qualidade da cerveja.

Quando se trata de fermentação,espera-se um arranque rápido, tempo de fermentação adequado e perfil sensorial condizente com a levedura utilizada. A dosagem de levedura exerce influência direta na fermentação, e é importante observar a vitalidade e a viabilidade das células. Viabilidade significa que as células estejam vivas na amostra de levedura, enquanto vitalidade está relacionada à atividade celular.É muito importante realizar a contagem de células para garantir que a dosagem será adequada. A literatura indica a inoculação de 1 milhão de células viáveis por ml por grau plato.Contudo,cada fornecedor poderá ter indicações de dosagem próprias.

A composição do mosto e suas características nutricionais disponíveis para a levedura influenciam a fermentação. Um mosto puro malte deve conter todos os nutrientes necessários para uma boa multiplicação celular e fermentação, entre os quais merece especial atenção o zinco, uma vez que sua concentração nem sempre é suficiente.

O zinco é um mineral que age no ciclo da levedura, pois é o cofator mais comum utilizado em proteínas – incluindo enzimas associadas a diversas reações do ciclo metabólico da Saccharomyces cerevisae, como a glicólise e síntese enzimática. Em termos práticos, o zinco ajuda na multiplicação e no crescimento celular, na tolerância ao álcool, nas interações célula-célula, além da já citada atividade enzimática.

A adição desse mineral melhora vários aspectos na fermentação da cerveja, como:
• Velocidade de fermentação;
• Floculação;
• Estimula a absorção de alguns açúcares;
• Resistência ao álcool;
• Sabor da cerveja.

Se o mosto contiver menos de 0,1 ppm de zinco, a fermentação pode ser arrastada e, inclusive, pode não consumir todo o açúcar do mosto. A concentração ideal é de 0,4 a 1 ppm no início da fermentação, e durante a propagação é necessária uma dosagem ainda maior. Para resolver isso, existem alguns produtos no mercado, tais como o Servomyces, da Lallemand, no qual o zinco está totalmente biodisponível para a levedura.

Durante a fermentação, alguns cuidados se fazem necessários a fim de garantir o controle de processo e a qualidade do produto final. Para auxiliar no controle da fermentação e da maturação, pode-se fazer um teste rápido de atenuação que ajuda a determinar o quanto a levedura irá fermentar. Esse teste funciona da seguinte maneira:

• Uma pequena quantidade de mosto já inoculado com levedura é transferida para um tubo de fermentação. O mosto é fermentado completamente, a uma temperatura de no mínimo 20°C, no período de um a dois dias. Para acelerar o processo, pode-se realizar uma dosagem mais alta do fermento nessa amostra.

As informações geradas pelo teste (tais como o tempo de fermentação e a eficiência da mostura) são úteis para decidir quando iniciar a maturação,ou determinar o momento mais adequado para a refermentação em garrafa, sem a necessidade de adição de priming.

Refermentação em garrafa Uma prática comum no segmento de cervejas artesanais consiste na refermentação da cerveja na garrafa. Esse processo tem o intuito de prolongar a vida de prateleira do produto, realçar características sensoriais de produto fresco e de aspecto artesanal, e elevar a carbonatação da cerveja.

O processo consiste em adicionar açúcares fermentescíveis à cerveja, inocular a levedura (caso não seja utilizada a própria levedura da fermentação primária) e engarrafá-la. A quantidade de açúcar dosado no priming dependerá da quantidade de CO2 desejada, do nível de CO2 já existente na cerveja, e também da quantidade remanescente de açúcares fermentescíveis. A levedura e o açúcar podem ser adicionados ainda no tanque, com leve agitação para evitar a sedimentação antes do envase. Outra forma é a injeção por meio de bomba dosadora na linha de envase.

Existem várias fontes de levedura para refermentação na garrafa. O próprio fermento utilizado na fermentação primária pode ser carregado para a garrafa.Também podem ser feitas a utilização de mosto em fermentação (Krausen), a dosagem do fermento colhido do tanque na cerveja filtrada, a adição de fermento propagado na cerveja após filtração, e a utilização de fermento seco.

Alguns fatores que precisam ser observados na hora da escolha da levedura são a tolerância da cepa ao álcool (uma vez que a cerveja pronta pode possuir uma porcentagem alcoólica elevada), eleger uma cepa que produza CO2 (carbonatação), que sedimente firmemente (para que, no momento de servir a cerveja, a levedura fique presa ao fundo da garrafa) e que possua um perfil adequado de aromas (muitas vezes a cerveja já está pronta, e não se deseja alterar seu perfil sensorial). Além disso, é desejável possuir reprodutibilidade (principalmente quando se trata de uma cerveja de linha,a fim de manter o produto padronizado) e fácil dosagem. Um produto bastante utilizado e aceito pelas cervejarias é o CBC-1.

Após o envase,deve-se manter a cerveja a temperatura ambiente (25°C) de 5 a 15 dias, e depois armazenar em baixas temperaturas.

Ludmilla Antoniazzi
Engenharia de Alimentos pela Unicentro,
Sommelière de Cervejas pelo ICB e Mestre Cervejeira pela VLB Berlin, ocupa o cargo de Especialista
de Mercado da Agrária Malte

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