As enzimas são fundamentais para melhorar a produtividade e a
qualidade da cerveja e, ainda, contribui para redução dos custos de produção
| CARLOS DONIZETE PARRA |
O mercado global de enzimas é crescente: estimativas indicam que ele deve atingir a cifra de US$ 5,4 bilhões em 2020. Atualmente, os fabricantes de detergentes são os maiores consumidores desses insumos, que também são muito utilizados na produção de bebidas, alimentos e rações.
As enzimas são compostos orgânicos que atuam como catalisadores das reações químicas em todos os organismos vivos. Também podem ser definidas como proteínas que possuem uma função específica com atividade catalítica, sendo capazes de acelerar em milhares de vezes uma determinada reação, seja ela química ou bioquímica.
Muito ouvimos sobre as enzimas, mas não entendemos ao certo qual a sua importância em nosso organismo e nem tampouco nos alimentos e bebidas que consumimos. As enzimas agilizam as reações químicas aumentando a velocidade com que elas trabalham. Elas contribuem para que nosso metabolismo funcione melhor, mais rápido e com menor consumo de energia. Ou seja, o faça mais com menos, tão propagado ultimamente, já é uma prática natural das enzimas desde a origem dos seres vivos.
Aplicação em bebidas
E, nas bebidas, como isso funciona?
Há muitos séculos, as enzimas já fazem parte da produção de bebidas e alimentos, sendo utilizadas nas mais diversas fases do processo de produção, tanto como substitutas de alguns produtos químicos utilizados diretamente na composição do produto final como para melhoria e otimização dos processos industriais. É lógico, o conceito é o mesmo, mas as possibilidades de utilização das enzimas em alimentos e bebidas são infinitas e só tendem a crescer com o avanço das pesquisas, controles de processos e novas tecnologias desenvolvidas pelos fabricantes de bebidas e ingredientes.
São diversos os tipos de enzimas, mas podemos separar os principais, classificando-os da seguinte forma:
• Oxidorredutases: Catalisam reações do tipo oxidação-redução, isto é, realizam transferência de elétrons nesse tipo de processo. Enzimas desse tipo são, por ex. as desidrogenases.
• Hidrolases: Associam-se a moléculas de água, acelerando reações de quebra de ligações covalentes, por exemplo alfa-amilase e beta-glucanase.
• Ligases: São capazes de criar novas moléculas através da união de outras já existentes. Isso acontece por meio de hidrólise ou oxidação. Exemplo são as sintetases.
• Isomerases: Modificam uma molécula sem que seja necessária a presença de outra. Funcionam como mediadoras na conversão de substâncias isoméricas. Exemplo dessas enzimas são as epimerases.
• Transferases: Como o nome sugere são capazes de transferir grupos funcionais entre duas moléculas. Como exemplo estão as quinases.
• Liases: Removem moléculas de água, amônia e gás carbônico, através da quebra de ligações covalentes. Exemplo dessas enzimas são as pectinas liases.
Nas cervejas
As enzimas podem ser exógenas e endógenas. As exógenas são aquelas adicionadas ao processo e, por isso, foram desenvolvidas para as condições específicas nas quais serão aplicadas, em termos de pH, temperatura, presença de inibidores, concentração de sólidos etc. Já as enzimas endógenas (presentes no malte) são específicas para as condições de germinação e, por isso, podem não apresentar a mesma eficiência que as exógenas para condições específicas de processo.
Para Deia Vilela, líder regional de Food Enzymes – DuPont Industrial Biosciences Latin America, a ação das enzimas no processo cervejeiro é bastante consistente e seus impactos extremamente mensuráveis, principalmente em relação a:
• perda de extrato;
• tempo de filtração de mosto e cerveja;
• tempo de fermentação;
• atenuação, concentração de álcool na cerveja;
• redução de off flavors (como diacetil);
• estabilidade coloidal;
• economia de energia e água.
Veja também
Na produção de cervejas, as enzimas têm vital importância na transformação do amido do malte em açúcares fermentescíveis, que são matéria-prima para a levedura que fará a fermentação do mosto cervejeiro. Além disso, as enzimas atuam em outras etapas do processo cervejeiro como fermentação e maturação. Dentro do processo de produção, destaca-se a utilização da beta-glucanase que diminui a viscosidade do mosto e facilita a filtração.
Segundo Marcelo Vieira, gerente de P&D de Especialidades da Prozyn, fornecedor de soluções enzimáticas para indústrias de bebidas em geral, as Beta-glucanases otimizam o processo de clarificação da cerveja. “A presença de Beta-glucanos e pentosanas torna o mosto mais viscoso, causando a perda de rendimento do processo de clarificação, sendo comum a ocorrência de entupimentos. Estas enzimas hidrolisam os Beta-glucanos e as pentosanas presentes no mosto, tornando-o mais fluido, potencializando a eficácia do processo de clarificação e filtração da cerveja”, explica Marcelo.
As Beta-glucanases também aumentam a estabilidade da cerveja, reduzindo a quantidade de agentes coloidais presentes no produto final.
Outra enzima importante no processo é a Alfa-amilase, utilizada com a função de liquefazer a matéria-prima. “As alfa-amilases são endo-amilases que hidrolisam, ao acaso, ligações a-1,4-glicosídicas, reduzindo a viscosidade do amido gelatinizado, e produzindo dextrinas solúveis e oligossacarídeos.
Algumas alfa-amilases comerciais são capazes de hidrolisar as cadeias de amido em altas temperaturas, por exemplo, o que torna a enzima mais eficiente que a alfa-amilase proveniente do malte”, garante Marcelo.
A Prozyn possui um amplo portfolio de enzimas e outras soluções naturais para o mercado cervejeiro. Entre os principais produtos com base em enzimas estão:
• RendiMaxBeer, uma solução enzimática que melhora o rendimento na sala de brassagem e reduz custos de produção. Além do desempenho superior ao das enzimas convencionais, a adição do produto ao processo elimina riscos causados pela variação de malte, proporciona ciclos de filtração maiores e mais estáveis e reduz custos com CIP dos equipamentos.
• StarMaxBeerSuper, uma solução enzimática para cozimento de adjuntos que permite trabalhar com alto teor de sólidos sem aumentar a viscosidade.
Aumenta a capacidade útil da tina de cocção de adjunto e permite reduzir o tempo de processo, otimizando gastos energéticos. Além disso, evita a retrogradação do amido em caso de interrupção do processo.
Outra enzima comercial indicada para utilização no processo cervejeiro é a protease, capaz de hidrolizar uma parte das proteínas do mosto em peptídeos de baixo peso molecular e aminoácidos, produzindo Free Amino Nitrogen(FAN), substrato importante para a propagação da levedura. Uma quantidade adequada de células no início da fermentação, devido à rápida propagação, permite um “arranque” rápido do processo fermentativo, evitando o prolongamento da fermentação.
Também são utilizadas na produção de cervejas as pentonases para remover compostos indesejáveis, a glicoamilase que aumenta o teor de certos açúcares e, para evitar a turbidez do produto final, podem ser utilizadas as enzimas papaína, bromelina e ficina. Na fermentação também podemos aplicar as enzimas exopeptidase e fitase, que podem auxiliar na nutrição das leveduras.
Complementação enzimática
Um dos principais objetivos da utilização de enzimas no processo cervejeiro é a redução de custos, além do ganho de produtividade/rendimento e padronização do processo. “Isto ocorre porque, com a utilização de enzimas é possível, por exemplo, obter uma melhor extração dos açúcares, favorecer a quebra das proteínas do malte e/ou reduzir a viscosidade do mosto cervejeiro em menor tempo, quando comparada à enzima proveniente do malte. A principal etapa onde ocorre o processo enzimático é a mostura, na qual o malte moído é adicionado à água cervejeira com parâmetros de tempo, temperatura e pH definidos justamente para favorecer a atuação enzimática, determinando o perfil final do produto”, explica Marcelo Vieira, da Prozyn.
Outra forma de utilização das enzimas no processo cervejeiro é como uma complementação enzimática, uma etapa importante, principalmente, quando a padronização do processo é necessária, operação muito comum em grandes indústrias. Desta forma, é possível reduzir ou corrigir variações ocasionadas pelo malte (a cevada pode apresentar variações em cada cultivar), ou até mesmo por problemas operacionais. Outro fator importante para o uso das enzimas comerciais é a necessidade de redução do tempo de produção, o que gera ganhos de produtividade.
É importante comparar os resultados obtidos com os resultados apresentados na teoria. Por exemplo, se foi constatado uma perda de extrato de 20%, na maioria dos casos, significa que a utilização de enzimas ajudaria na reução de custos e tempo dos processos. A mesma comparação deve ser feita para tempo de fermentação, tempo de filtração (de mosto e de cerveja), e também aspectos de qualidade como presença de off flavors, estabilidade coloidal e outros”, explica Deia Vilela, da DuPont Industrial Biosciences Latin America.
Estudos recentes
A Embrapa Agroenergia (DF) desenvolveu um microrganismo geneticamente modificado que atua como biofábrica capaz de produzir um insumo utilizado nas indústrias de biocombustíveis, alimentos, bebidas, papel e tecidos. Esse insumo, as betaglicosidases, é um grupo de enzimas que atuam na última etapa da degradação da celulose de vegetais como algodão, cana-de-açúcar e eucalipto. O centro de pesquisa depositou pedido de patente da tecnologia, desenvolvida em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
Atualmente, a produção comercial de betaglicosidades é feita principalmente por fungos ou bactérias, que necessitam consumir açúcar ou outra fonte de carbono para crescer. A novidade é que os pesquisadores conseguiram fazer com que essas enzimas sejam produzidas por outro tipo de microrganismo, uma cianobactéria. Isso é vantajoso justamente porque elas não precisam ser “alimentadas” com açúcares. Semelhantes a microalgas, elas são organismos unicelulares aquáticos que combinam características de microrganismos e plantas e realizam fotossíntese. Por isso, precisam apenas de CO2 e luz para crescer e produzir as enzimas.
O chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia, Bruno Brasil, explica que, por não precisarem de açúcares ou outras fontes de carbono orgânico, as biofábricas de enzimas baseadas em cianobactérias possuem vantagens potenciais quanto ao custo de produção e capacidade de escalonamento. A tecnologia também é capaz de agregar mais sustentabilidade às cadeias produtivas que empregam as enzimas, já que, para crescer, esses organismos capturam CO2 da atmosfera ou de processos produtivos associados. “Poderiam consumir o CO2 que sai das dornas de fermentação de usinas de açúcar e álcool”, exemplifica Brasil. Além disso, por não conterem açúcares, os meios de cultivo das cianobactérias são menos suscetíveis a contaminações que reduzem a produtividade.
De olho nessa vantagem da substituição dos fungos por cianobactérias, os pesquisadores depararam-se com o primeiro desafio: não se conhecia, na natureza, espécies capazes de gerar naturalmente quantidades significativas dessas enzimas. Por isso, a equipe dedicou-se logo à modificação genética. Para aumentar a produção de betaglicosidases pela cianobactéria selecionada, o grupo utilizou um gene encontrado na comunidade bacteriana do solo da Floresta Amazônica. Esse gene havia sido identificado anteriormente por outra equipe da Embrapa Agroenergia, que usa técnicas de Biologia Molecular para acessar o DNA de microrganismos mesmo sem cultivá-los em laboratório.
Com esse novo gene sendo expresso, os cientistas conseguiram multiplicar em até oito vezes o volume de betaglicosidase produzido pela cianobactéria. A Embrapa e a Furg trabalham, agora, para aumentar ainda mais essa produtividade. Outra linha de desenvolvimento é a engenharia de enzimas. Com os protocolos de transformação desenvolvidos, a equipe quer fazer com que os microrganismos gerem betaglicosidases com novas propriedades, que potencializem o rendimento industrial. “A gente pode fazer com que esse microrganismo produza uma molécula ‘engenheirada’ do ponto de vista molecular para que ela seja um produto melhor”, explica o professor Luis Fernando Marins, da Furg.
Atualmente, betaglicosidases têm sido utilizadas nas indústrias de alimentos para clareamento de sucos de frutas e para aumentar a qualidade nutritiva de produtos fermentados. As cervejarias também as empregam, em processos que facilitam a etapa de filtração.