Falta de articulação e diálogo contribuíram com colapso
“A atual situação do Sistema Cantareira é um problema de governança, acentuado pelas questões climáticas e por sua realidade socioambiental.” A partir desta afirmação e, considerando a importância da gestão ambiental dos sistemas de abastecimento de água e a discussão sobre a problemática dos recursos hídricos, a mestre e doutora em Ecologia Aplicada Micheli Kowalczuk Machado avaliou, entre 2013 e 2014, a governança e o diálogo de saberes que envolvem o Sistema Cantareira.
Atualmente, a outorga do Sistema Cantareira é da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), concedida em agosto de 2004 com o prazo de 10 anos. Apesar de vencer em agosto de 2014, sua vigência foi prorrogada até 31 de outubro de 2015 (Resolução Conjunta ANA-DAEE no. 910, de 07 de junho de 2014). “É claro que a Sabesp tem enorme responsabilidade sobre esse Sistema, mas temos que considerar também a responsabilidade do governo, dos Conselhos Gestores das Unidades de Conservação, dos Comitês de Bacias Hidrográficas e da sociedade civil em geral.
Crédito: Micheli Kowalczuk Machado
São todos atores que interferem diretamente na realidade do Sistema”, relata Micheli. O Cantareira é um dos maiores sistemas de água do país, sendo destinado à captação e tratamento de água para o abastecimento de cerca de 8,8 milhões de pessoas da Grande São Paulo. Sua realidade socioambiental está envolvida com temas como gestão da água, conflitos de uso, conservação ambiental e disponibilidade hídrica. “Sua importância regional e nacional, por si só, justifica estudos em diversas áreas”, explica Micheli. “No entanto, várias organizações e instituições que atuam no Cantareira, apesar de terem objetivos comuns, não interagem entre si”, acrescenta a pesquisadora.
Segundo Micheli, as ações desenvolvidas geralmente estão relacionadas com obras de infraestrutura e saneamento, “isso quando elas acontecem”. Entretanto, fatores como a vontade política; a demanda crescente pelo uso da água; a degradação ambiental dos mananciais; a expansão urbana desordenada; o desperdício no próprio Sistema e a falta de um real envolvimento e conhecimento da população acerca da realidade existente na área demonstram que não se trata somente de um problema de falta de chuvas. Por essa razão, a pesquisadora decidiu avaliar como são e como devem ser a governança e o diálogo de saberes que envolvem o Sistema.
A especialista em educação ambiental adotou como metodologia uma pesquisa qualitativa realizada em três fases: exploratória, trabalho no campo e análise dos resultados. Primeiramente, Micheli se envolveu na pesquisa bibliográfica e na aplicação de questionários com perguntas abertas para os representantes de todos os 79 organismos consultivos e gestores presentes no Sistema Cantareira. Depois, foram realizadas 18 entrevistas com representantes do Conselho da Área de Proteção Ambiental (APA) Fernão Dias, em Minas Gerais; Conselho Gestor Unificado das APAs Piracicaba/Juqueri-Mirim Área II, do Sistema Cantareira e da Represa Bairro da Usina, em São Paulo; e Comitê Federal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Por fim, foi realizada a análise dos resultados, com apresentação de um mapa que demonstra a sobreposição das Unidades de Conservação e dos Comitês de Bacias Hidrográficas do Sistema Cantareira e a apresentação e sistematização dos dados obtidos nas fases anteriores.
A pesquisa, que foi orientada pela professora Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES) da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ), e realizada no Programa de Pós-Graduação (PPG) em Ecologia Aplicada interunidades (ESALQ/CENA), demonstra que atualmente não existe nenhum tipo de mecanismo de interação entre as ações das Unidades de Conservação e dos Comitês de Bacias Hidrográficas. “Ações articuladas entre essas organizações são essenciais e cada vez mais necessárias para procurar soluções para a problemática do Sistema Cantareira”, afirma. Segundo Micheli, é evidente que a população deve estar realmente envolvida nas discussões, por isso há também a necessidade de elaborar estratégias que ampliem a participação e a mobilização social e que trabalhem o diálogo de saberes.
O estudo revela, ainda, que existe potencial para que a governança e o diálogo aconteçam, tendo em vista a existência de fóruns de debate e de instrumentos que buscam garantir a participação de diversos atores sociais nas discussões de temáticas relacionadas ao Sistema. “O que falta é o aperfeiçoamento dos instrumentos existentes. Há um longo percurso a ser percorrido, sendo necessário que novos caminhos teóricos e práticos sejam adotados para que uma boa governança, com atendimento das demandas sociais, aconteça”.
De acordo com a pesquisadora, “se não forem realizadas mudanças na forma como os recursos hídricos são geridos, teremos apenas medidas paliativas que terão resultados por um curto período de tempo, além de novos episódios de escassez, talvez ainda piores e que afetarão a economia, a qualidade de vida e o meio ambiente”.
A preservação e a conservação das áreas de mananciais estão entre as ações que costumam ser realizadas na busca por melhorias. “Nascentes preservadas garantem quantidade e qualidade d’água e sua conservação é fundamental para a manutenção dos recursos hídricos”, declara Micheli. Entretanto, ressalta a pesquisadora, se não houver tratamento de esgoto nos municípios, esses recursos estarão expostos à contaminação, o que prejudicaria o abastecimento. Além disso, ainda seria necessário elaborar programas de conscientização para os usuários (população, indústrias e produtores rurais) que estimulassem a conservação e o uso consciente. “Estas e outras ações devem ser realizadas em conjunto e não desarticuladas, somente assim poderemos trazer reais melhorias para o Sistema Cantareira, com a conservação da biodiversidade, melhoria na disponibilidade e qualidade hídrica, produção agrícola, qualidade de vida da população e manutenção das atividades industriais”, finaliza.