Avanços e desafios das vinícolas da Serra Gaúcha
Por Carlos Donizete Parra
Instalada no Brasil na década de 1930, a indústria vinícola tem suas origens na imigração italiana, que chegou por aqui por volta de 1870 dando início às plantações de uva, naquela época uma das fontes de sobrevivência das famílias. Logo vieram as Cooperativas que compravam as produções de uvas destas famílias e as transformavam em vinhos posteriormente comercializados com suas próprias marcas. Praticamente um século depois, algumas dessas famílias começaram a comercializar seus vinhos e, atualmente, grande parte do vinho produzido no Brasil (cerca de 90%) é oriundo da Serra Gaúcha. O sistema industrial do setor vinícola brasileiro possui atualmente características semelhantes aos padrões mundiais, onde as cooperativas dão lugar às empresas, sendo um pequeno bloco de grandes vinícolas e a grande maioria de médias e pequenas empresas.
Foto: Gilmar Gomes
A maior parte permanece na Serra Gaúcha, mas passou a investir em outras regiões como Campanha Gaúcha (Santana do Livramento) e, numa aposta mais ousada, no nordeste brasileiro, que começa a apresentar resultados muito interessantes.
Despontando como uma nova opção de vinhos finos no Brasil, produtores de São Paulo e Minas Gerais, depois de muitos anos de pesquisas e desenvolvimentos, devem lançar ainda este ano vinhos finos elaborados com uvas adaptadas à região sudeste. A Vinícola Góes, instalada em São Roque, no Estado de São Paulo, já está comercializando um pequeno lote com uvas plantadas em 2008 e colhidas em 2010. A expectativa da empresa é chegar a 15 mil litros de vinho por ano em três anos. Além do Cabernet Franc que já está nas garrafas da Vinícola Góes, São Paulo está testando diversas variedades de uvas americanas, europeias e híbridas, entre elas a Syrah e Sauvignon Blanc. Em Minas Gerais, a Syrah teve boa adaptação e já está em cultivo comercial.
Mesmo com os bons resultados obtidos, produtores da região sudeste trabalham com expectativas de longo prazo para os vinhos produzidos no sudeste e buscam maior produtividade e qualidade para conquistar a aceitação dos consumidores de vinhos.
Novos tempos
Como em outros setores, a vitivinicultura mundial vem apresentando grandes mudanças nos últimos anos, fruto das transformações vividas pela sociedade, colocando o consumidor como o centro de todos os negócios. Feliz era Ford que podia produzir aquilo que lhe era mais conveniente. Há 105 anos, Henry Ford lançava sua primeira unidade, o Ford T, considerado o primeiro carro universal. Mas, foi em 1913 que Ford realizou algumas alterações em sua linha de produção e disse a frase que ficaria para sempre na história: “O modelo T poderia ser encomendado em qualquer cor desde que preto”. O que acontecia é que 12 das 15 milhões de unidades produzidas eram pretas e as outras três milhões produzidas nas cores verde, vermelho e azul eram tão escuras que dificilmente se distinguiam do preto.
A situação mudou bastante. Atualmente, a diversidade de produtos à disposição do consumidor é cada vez maior e a concorrência entre as empresas aumenta dramaticamente. Ser competitivo é uma questão de sobrevivência.
Quando falamos em competitividade é importante analisarmos os fatores internos às empresas (práticas de gestão) e aqueles relacionados ao ambiente externo (governo, setor). Entre os fatores externos às empresas estão aqueles de origem tributária. Um problema de difícil resolução, mas que atinge diretamente a competitividade das empresas brasileiras, em especial as vinícolas.
Recente estudo apresentado pelo Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) mostrou que, além da alta carga de impostos, a sustentabilidade comercial da cadeia produtiva da uva e do vinho é bastante prejudicada pelas diferentes legislações e práticas tributárias aplicadas por cada um dos Estados brasileiros.
Os impostos que incidem sobre o vinho – que no Brasil é considerado bebida alcoólica – podem chegar a 67%. No Uruguai os encargos que acabam sendo pagos pelo consumidor ficam entre 22% e 23%, e na Argentina giram entre 30% e 35%, conforme exposição durante o Seminário de Tributação e Competitividade do Setor Vitivinícola, realizado no Sebrae em Brasília, onde os estudos foram divulgados.
Júlio Gilberto Fante, coordenador do grupo de planejamento tributário do Ibravin, afirmou que o estudo demonstra a total irresponsabilidade tributária do País e a falta de monitoramento do cumprimento das leis. Ele destacou a carga tributária aceitável no Uruguai e na Argentina, que é simplificada e sem escalas, demonstrando o respeito e a importância que o setor vitivinícola recebe naqueles países. “Aqui, o vinho chega a ser onerado em 250% até chegar ao consumidor”.
Um exemplo da diferenciação de tratamento recebido pelo setor foi apresentado pelo executivo da Câmara de Exportadores de Mosto da Corporación Vitivinicola Argentina (Coviar), Sergio Colombo. Ele afirmou que o governo da Argentina editou uma medida que possibilita que as empresas reinvistam até 14% dos impostos devidos para modernização tecnológica nos vinhedos, na aquisição de maquinário e na qualificação de mão-de-obra para elaboração de espumantes. Como o resultado se mostrou extremamente positivo para o setor, este benefício tributário foi reeditado no ano passado na Argentina. Este tipo de tratamento, segundo Fante, se configura em um bom exemplo de incentivo que poderia ser replicado no Brasil para auxiliar a competitividade da cadeia produtiva.
Foto: Gilmar Gomes
Lição de casa
Para garantir o padrão de qualidade, as vinícolas investem pesado em técnicas de manejo, sistemas de condução das plantas, mão de obra e novas tecnologias para controle da sanidade da fruta tanto no campo quanto no manejo dela na indústria. A Vinícola Valduga investiu, recentemente, na compra de equipamentos ópticos para seleção de grãos. Segundo o enólogo da empresa, Daniel Dallavale, o equipamento seleciona tamanho, forma e cor das bagas de acordo com um padrão pré-estabelecido, fazendo o trabalho de 1 dia de 10 pessoas em apenas 3 horas. Além de reduzir custo, o processo garante qualidade e padronização das frutas que seguem para a produção. “O fator redução de custo é importante, mas também eliminamos outro problema que é a escassez de mão de obra para esse tipo de serviço aqui na região”, explica Dallavale.
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Com uma produção de 1.800.000 garrafas de vinhos finos por ano, a Valduga é uma das maiores vinícolas do País, com cerca de 300 hectares de área plantada no Rio Grande do Sul. Com os olhos voltados para tecnologia de ponta, a empresa possui um sistema de prensagem pneumática importado da Suíça que muda automaticamente a pressão de acordo com a safra e com o tipo de baga que está sendo processada. Um novo equipamento de dégorgement será brevemente instalado, o que permitirá o aumento de produção neste processo de 600 para 2.750 garrafas por hora, além de maior confiabilidade e qualidade do processo.
Investimentos
A região dos Altos Montes, na Serra Gaúcha, concentra as principais vinícolas produtoras de vinhos de mesa com capacidades para grandes volumes de produção. A região acaba de receber a autorização para utilizar a IP – Identificação de Procedência dos Altos Montes. A maioria dessas vinícolas já trabalha com a elaboração de vinhos finos e a IP deve alavancar essa produção.
A Cooperativa Vinícola Nova Aliança surgiu da união de cinco Cooperativas (São Pedro, Linha Jacinto, Santo Antônio, São Vito e Nova Aliança) com mais de 80 anos de experiência no setor vinícola e uma área plantada de 1.400.000 hectares;
Foto: Naiára Elisa Martini
Atualmente, a Nova Aliança recebe cerca de 40 milhões de quilos de uva para vinificação e está construindo uma nova unidade em Flores da Cunha que deverá ser a mais moderna vinícola da América do Sul, com capacidade para 300 mil litros de vinhos por dia.
A nova unidade contará com cinco linhas de envase, sendo duas para garrafa de vidro, uma para embalagem cartonada, uma para embalagem de PET e outra para bag-in-box. Prevista para agosto deste ano, a fábrica da Nova Aliança aumentará a capacidade de produção de suco da empresa de 8 milhões de litros atuais para 45 milhões de litros. A nova fábrica terá sua capacidade concentrada, principalmente na produção de sucos, produto que vem crescendo significativamente nos últimos anos no Brasil. Segundo a empresa, os vinhos bag-in-box também têm uma linha exclusiva de produção devido ao aumento de consumo verificado principalmente no sul do País.
Cerca de 90% da fábrica será destinada à produção de sucos e 10% para vinhos finos. A fábrica terá produção e engarrafamento totalmente automatizados em uma área de 25 mil m2, com investimento de aproximadamente R$ 70 milhões.
Outra empresa que realizou altos investimentos em tecnologia é a Luis Argenta, fundada em 1999, em propriedade adquirida da Vinícola Rio Grandense e Granja União. Localizada em uma área de 140 hectares dentro da cidade de Flores da Cunha, a Luis Argenta derrubou os parreirais antigos e replantou cerca de 155 mil mudas no sistema espaldeira. Uma nova fábrica foi construída com arquitetura inspirada nas modernas vinícolas espanholas, parte dela ainda encravada em rocha de basalto, que auxilia no terroir do vinho.
O processo industrial utiliza tecnologia por gravidade desde a entrada da uva, onde acontece a seleção e limpeza dos cachos. Em seguida as frutas seguem para desengaçadeira automática que também, por gravidade, envia os engaços para fora da vinícola. O sistema de vinificação e a adega estão na parte subterrânea da vinícola com temperatura e umidade controladas automaticamente.
Desafios
A Serra Gaúcha conta com um grupo de vinícolas em condições de competir com as empresas de vinhos da América do Sul e, em alguns casos, até com países do primeiro mundo. No entanto, novas tecnologias e equipamentos de ponta, ainda são privilégio de uma quantidade pequena de vinícolas. Uma grande parte trabalha com processos de produção e engarrafamento totalmente defasados. Ainda se vê pipa de madeira, rotulagem manual e controle visual para inspeção de garrafas.
Há que se tomar cuidado para que o aumento de consumo esperado para os próximos anos não aumente a distância entre essas vinícolas. O acordo fechado entre as vinícolas e os supermercados e varejistas pode ser um bom negócio para todos desde que as vinícolas também façam sua parte, investindo por exemplo, em melhores estruturas de vendas e em ações efetivas de marketing, tanto no ponto de venda quanto para construção de marcas fortes.
Supermercados e lojas de varejo vão colocar na prateleira aqueles produtos que mais vendem, ou seja, vinhos já conhecidos do consumidor ou que estejam fazendo alguma campanha de marketing para auxiliar vendas.
Parece que a frase “fazer vinho bom não é o problema, o difícil é vender”, escrita em um artigo da gerente de exportações do Wines of Brasil, Andreia Gentilini Milan, há dois anos, será colocada à prova nos próximos anos. Não é suficiente investir em sites e posts em redes sociais. Estruturas profissionais de marketing, vendas e distribuição são essenciais para o aumento de vendas de vinhos finos no Brasil.
A maioria das vinícolas da Serra Gaúcha não possui distribuidores sequer nas principais capitais brasileiras. Um sistema de distribuição inadequado pode destruir um bom esforço de marketing. As empresas devem resolver a melhor maneira de armazenar, movimentar e entregar seus produtos de modo que eles estejam disponíveis para os consumidores nas quantidades e variedades corretas, no lugar e instante certos.
Esse trabalho correto de logística contribuirá para satisfação do consumidor, além de garantir menores custos e consequentemente maior rentabilidade às empresas.