Reinventar a empresa focando nas necessidades e problemas dos consumidores e não nas soluções que acreditamos serem mais importantes é um começo para colocar os negócios nos trilhos
Carlos Donizete Parra
Ninguém, por mais estrategista que seja poderia imaginar as mudanças e situações que viveríamos em 2020.
Estamos todos aprendendo com essas lições e, por isso, muitos contextos ganham diferentes significados. Temos que ficar próximos dos clientes e ter o entendimento sobre o que está acontecendo no mundo, em nosso país, estado, na vizinhança e ao nosso redor. Só assim é possível oferecer soluções adequadas. Uma regra de ouro: seja humano. Construa marcas que tenham personalidade. E personalidade não se copia, cada um tem a sua.
Pensar o futuro da indústria de bebidas é uma necessidade primordial nesse momento de mudanças tão intensas.
As indústrias estão se adequando a uma nova situação, estabelecida no pós-pandemia. Para algumas o desafio é conviver por mais algum tempo com a baixa demanda e reposicionar os negócios de acordo com as necessidades que foram desenvolvidas nesse período.
O turismo é um exemplo de como alguns serviços terão que se adaptar aos novos comportamentos que permanecerão por mais algum tempo, quem sabe até a aplicação das vacinas, ou quem sabe podem se incorporar aos novos hábitos das pessoas.
Os bares e restaurantes também estão se adequando aos novos hábitos e questões relacionadas à segurança.
Porém, para surpresa de boa parte das empresas no Brasil, a alta demanda está sendo o desafio do momento. Um desafio bom, mas que também precisa ser resolvido. Na indústria de bebidas isso vem acontecendo com vários produtos, como vinho, cerveja, refrigerantes e outros. Muita gente ainda continua trabalhando de casa, mas as fábricas operam em ritmo bem acelerado. O home office veio para ficar e a descentralização de processos, funções e atividades terá que ser implantada e apreendida por todos nós. As fábricas, por sua vez, necessitarão ainda mais da famosa transformação digital e de todos os recursos para funcionarem cada vez mais com eficiência e níveis altíssimos de produtividade e assertividade. Com as mudanças em hábitos e estilos de vida, o consumo pode não ser como antes e, por isso, é preciso reconstruí-lo de acordo com as novas demandas.
É hora de ver o que funciona, o que não funciona e se adaptar. Tem que se reinventar e tirar vantagens sobre o que está acontecendo. Continuar sendo relevante para os consumidores. Se adaptar não só nos produtos oferecidos mas também nas novas plataformas de vendas disponíveis no mercado.
A volatilidade, ambigüidade e complexidade já fazem parte do cotidiano das empresas e isso gera a incerteza, que teremos que gerenciar muito bem daqui para frente, sempre. É a famosa VUCA, termo descoberto pelos americanos lá na década de 90 e que foi tão bem incorporado aos tempos atuais. A partir de todas essas mudanças, as pessoas terão que ter capacidade para construir um novo futuro.
Aceleração digital
Entre as tendências e hábitos que vieram para ficar no pós-pandemia, a digitalização é a mais expressiva. Pode ser vista em praticamente todas as regiões e camadas sociais. Mas, ainda existem muitas possibilidades a serem exploradas, principalmente, nas vendas online. Pesquisa da FecomercioSP mostra, por exemplo, que 53% dos consumidores entre 18 e 35 anos compraram mais pela internet durante a pandemia – esse número é de 40% entre os acima de 35, sugerindo maior penetração entre os mais jovens.
Como tendem a ser mais naturalizados com meios digitais, 64% dos entrevistados entre 18 e 35 anos afirmaram que a prática de pedir comida delivery se tornou mais frequente na pandemia (49% entre os acima de 35), enquanto 50% dos mais jovens embarcaram em alguma formação a distância (26% na outra faixa etária) no período.
Já levando em conta o recorte de renda, a faixa que vai de um até cinco salários mínimos demonstra ser a mais ansiosa para voltar às compras. Há, contudo, planos distintos para cada faixa de renda: pessoas do estrato de renda mais baixo (até um salário mínimo) pretendem ir atrás de roupas e calçados quando o isolamento acabar (57%), ao passo que aquelas que estão na faixa entre um e dois salários mínimos dizem querer adquirir mais eletrodomésticos e/ou eletrônicos (48%). Os mais abastados (acima de dez salários mínimos), por sua vez, esperam poder voltar a viajar (45%).
A expectativa é que a utilização das tecnologias digitais seja cada vez maior entre as empresas e pessoas. No meio corporativo, as empresas terão que oferecer experiências digitais para seus colaboradores e, principalmente, para os clientes como premissa para um relacionamento duradouro. Estamos vivenciando o relacionamento direto entre a indústria e seus consumidores, eliminando intermediários. Isso tende a crescer e se fortalecer, criando vínculos positivos para ambas as partes. A aceleração digital também exige das empresas operações mais robustas, entregas mais rápidas de sku’s específicos e linhas de produção flexíveis. É a complexidade e incerteza mudando completamente os planejamentos de produção.
Vinhos
Quem se adaptou e aproveitou muito rápido das mudanças do mercado no Brasil foram as vinícolas. Elas entenderam a situação provocada pela pandemia e ofereceram ao consumidor o que eles queriam, ou seja focaram no problema e não na solução. A baixa dependência em relação aos bares e restaurantes facilitou a chegada dos produtos através de uma parceria de distribuição já construída com os supermercados. A digitalização também é um aspecto facilitador e muito bem aproveitado pelos vendedores de vinho, seja já por uma estrutura de entrega estabelecida e até mesmo pelo valor agregado dos vinhos que possibilita as vendas pelo e-commerce. O câmbio gerou mais competitividade e equidade de condições com os vinhos importados.
Com isso, a bebida foi uma das que obteve maior crescimento nesse período de restrições. Nunca se bebeu tanto vinho como nesse período.
Com bares e restaurantes fechados, o consumidor encontrou no vinho um acompanhante ideal para seus momentos de prazer, como um jantar especial ou aquela pausa para descontração. Dados da Ideal Consulting mostram que a comercialização mensal da bebida em julho deste ano alcançou 63,4 milhões de litros – três vezes mais que o mês de março, com 21,3 milhões. De janeiro a agosto, foram 313,3 milhões de litros, 37% mais que no mesmo período do ano passado.
Além da pandemia, outro fator que explica esse avanço do setor vinícola no Brasil é a alta do dólar, dificultando a entrada de produtos importados no país. Os vinhos finos representam cerca de 6% do mercado de vinhos brasileiro, e são esses produtos que concorrem diretamente com os vinhos vindos, principalmente de países, como, Chile, Argentina, Portugal, Itália e outros. O aumento expressivo do câmbio nos últimos meses dificultou a vida dos importados, reduzindo a participação desses vinhos de 32% para 27% do mercado nacional, entre os meses de janeiro a agosto deste ano. O brasileiro ainda não confia totalmente nos vinhos nacionais, mas esse avanço pode sedimentar uma base mais elevada para um crescimento sustentável do setor. O consumo que por muitos anos ficou estagnado em 2 litros per capta/ano deve chegar aos 2,8 litros o que seria um recorde para o setor de vinhos finos no país. Na contramão, a produção global de vinhos terá uma queda em 2020 em relação a 2019. A crise joga a produção de vinhos para níveis abaixo da produção de 2018. A Organização Internacional de Vinhos (OIV) projeta algo em torno de 258 milhões de hectolitros para este ano.
Nunca se bebeu tanto vinho como nesse período. Com bares e restaurantes fechados, o consumidor encontrou no vinho um acompanhante ideal para seus momentos de prazer, como um jantar especial ou aquela pausa para descontração
Essa arrancada do setor impulsionou a realização do primeiro IPO de vinhos no Brasil. A Wine, empresa capixaba que nasceu como e-commerce de vinhos, possui mais de 178 mil associados, além de operações de lojas físicas, tem expectativas de levantar R$ 1 bilhão com o IPO. O dinheiro captado poderá ser utilizado para ampliação das operações, além de investimentos em distribuição, marketing, tecnologia e na compra de concorrentes e empresas que possam contribuir para alavancagem da empresa no mercado.
Atenta aos novos hábitos e direcionamentos do mercado, a Ponto Nero, empresa de espumantes do Grupo Famiglia Valduga desenvolveu Becas, marca de vinhos frisantes em lata para atender, principalmente, a uma demanda do público jovem, antenado a novos processos responsáveis de consumo e que não abre mão da qualidade. Cada dose de Becas traz a reconhecida expertise do grupo na produção de vinhos e espumantes e, também, um olhar cuidadoso para o meio ambiente.
Em três variações, Joy Blanc, Fun Rosé e Sweet Moscato, a embalagem alternativa permite uma degustação em doses únicas de 269 ml, transformando-se em uma opção econômica para o público e torna a experiência mais democrática e versátil.
“O mundo mudou e o consumo de vinhos encontrou novos caminhos. Becas é um produto pensado para uma degustação leve, simples e direto ao ponto e se torna a escolha ideal para reuniões entre amigos e festas informais. O formato é compacto e fácil de armazenar, prático para atingir a temperatura ideal e as doses individuais possibilitam experimentar diversos estilos. Com certeza, há uma versão de Becas que combina com a personalidade e o gosto de cada um”, diz Lucas Simões, enólogo do Grupo Famiglia Valduga. “São vinhos frisantes que trazem muito frescor e combinam com o verão brasileiro que está chegando”.
Becas também se posiciona como um produto sustentável que combina com a nova geração de consumidores que procuram produtos e marcas com propósito e o meio ambiente é uma de suas principais bandeiras. A personagem da marca caracterizada por uma ovelha moderna, amigável e disruptiva, representa a inserção destes animais no bioma dos terroirs do grupo, onde, por meio da pastagem, controlam o desenvolvimento de plantas invasoras e fazem com que a utilização de defensivos agrícolas seja consideravelmente reduzida, promovendo um plantio cada vez mais equilibrado. O nome Becas – leia-se bêcas – faz alusão à forma que os descendentes de italianos da região Sul do Brasil carinhosamente chamam suas ovelhas. “É um nome de fácil assimilação e carrega um grande significado para a história do grupo Famiglia Valduga”, comenta Simões.
As latas de Becas são de alumínio e possuem um revestimento especial, que impede que a bebida entre em contato com o material, evitando, assim, qualquer alteração no sabor da bebida. Há mais de uma década, o Brasil está entre os maiores recicladores de latas de alumínio para bebidas – em 2018, 96,9% das embalagens que circularam pelo país foram recicladas. “As latas promovem praticidade, segurança e agilidade no transporte. Além disso, o alumínio tem maior índice de reaproveitamento”, completa o enólogo.
Cervejas
A Ambev informou no final de outubro que as vendas de cervejas aumentaram 25,4% no terceiro trimestre de 2020 em comparação ao mesmo período de 2019, com um volume de 23,75 milhões de hectolitros. Nesse período houve um aumento na receita com cervejas de 25,2% em relação a 2019, mas uma queda do lucro acumulado em 2020 de 8,1%. A Ambev está de olho nas movimentações recentes do mercado e não descarta a possibilidade de lançamento de uma cerveja que ocupe a faixa entre o produto básico e o premium, já que a empresa detectou avanço nas vendas de Skol nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O Brasil obteve o melhor desempenho entre todas as regiões de atuação da Ambev, seja em cerveja ou refrigerante.
Na América Central e no Caribe, o volume comercializado diminuiu 9,9% no terceiro trimestre de 2020 na comparação com o mesmo período de 2019. No sul da América Latina, o volume caiu 0,4%, enquanto no Canadá aumentou 7,1%.
O segmento de refrigerantes no Brasil teve um aumento de 0,7% no faturamento no terceiro trimestre de 2020 na comparação com 2019. No entanto, no acumulado do ano, a queda com a venda de refrigerantes no país é de 8,3%.
Vendas melhores que o esperado
Segunda maior cervejaria do mundo, a Heineken teve queda de 1,9% no volume global de cervejas no terceiro trimestre de 2020 e 8,1% nos primeiros nove meses do ano. O grupo Heineken destacou vendas maiores de cervejas premium nesse período de pandemia em detrimento das cervejas mais populares. As vendas no terceiro trimestre foram melhores que o esperado, em especial na região das Américas.
No geral, os volumes de cerveja nas Américas aumentaram 2,5%, com crescimento de cerca de 10% nos Estados Unidos e no Brasil. A marca Heineken cresceu 7,1% no trimestre e 1% nos primeiros nove meses. O principal mercado para essa marca foram as Américas, com alta de 28,8% e de 20% no volume no trimestre e no acumulado do ano. No Brasil, o volume total de cerveja cresceu cerca de 10% a 15%. Com custos de produção mais altos em decorrência da transição das vendas de bares para outros pontos de vendas e também pela escassez de matérias-primas, a empresa deve registrar lucros menores no ano. Por conta disso, já está planejando uma reestruturação para 2021 com objetivo de reduzir em 20% os custos com equipe em sua sede e escritórios no mundo todo.
Quebra da cadeia
A pandemia e a falta de insumos em geral vem dificultando as ações das indústrias reduzindo drasticamente suas margens de lucro, o que pode acarretar em mais demissões ao longo dos próximos meses. Essa quebra da cadeia de produção com interrupções no fornecimento de insumos deve atingir o mercado pelo menos até março de 2021, segundo análise de especialistas da área. A falta de insumos na indústria é um problema que atinge a produção de vários tipos de bebidas que viram a demanda crescer rapidamente neste ano e não conseguem insumos, como papelão, alumínio, vidro, aço, entre outros.
No entanto, nesse mundo novo, a incerteza é um fator cada vez mais freqüente que as indústrias terão que aprender a conviver, inclusive, no que tange à cadeia de suprimentos. Criar sistemas alternativos, novos fornecedores e até produtos diferentes que possam substituir aqueles com mais dificuldade de produção deve ser objeto de estudo daqui para frente. A pandemia vai acabar, mas algumas mudanças serão incorporadas pela sociedade.
Foco no problema
Aceleração digital, crise de abastecimento, reinvenção, confiabilidade… tantas palavras para dizer que as mudanças vieram pra ficar e mexer com o status quo. Reinventar a empresa focando nas necessidades e problemas dos consumidores e não nas soluções que acreditamos serem mais importantes para esses consumidores é um bom ponto de partida para colocar os negócios nos trilhos. As mudanças atuais devem ser pensadas esquecendo-se velhos hábitos do passado e com disposição para quebrar barreiras que, com certeza, aparecerão pela frente, como: falta de habilidades e de pessoas qualificadas, gestão centralizada, lentidão para mudanças, medo, mind set, hierarquias ultrapassadas etc.
Os problemas nas organizações existem e as pessoas são a única forma para resolvê-los e promover o crescimento e melhorias necessárias.
Criar sistemas alternativos, novos fornecedores e até produtos diferentes que possam substituir aqueles com mais dificuldade de produção deve ser objeto de estudo daqui para frente
As empresas terão que acelerar programas de transformação, reavaliar seus propósitos e estratégias, agir de acordo com seus princípios e identidade, rever seu portfólio de produtos e adequá-lo urgentemente às novas demandas de consumo, pensar e desenhar a empresa com olhos para além do futuro. Um trabalho árduo e desafiador, mas que, sem sombras de dúvidas, levará empresas e profissionais a um universo de aprendizado e crescimento contínuo.