A técnica possibilita o uso de altas concentrações
de biomassa acelerando as conversões no mosto
Marcelo Calide Barga e Bianca Eli Della Bianca
A etapa de fermentação na produção de cerveja requer tanques de larga escala, ocupados por cerca de 7 dias corridos. Reduzir o tempo de processo sem afetar a qualidade do produto e aumentar a produtividade são questões presentes em todas as cervejarias e que a tecnologia de imobilização de células pode ajudar a resolver.
O início da aplicação desta tecnologia na indústria cervejeira ocorreu nos anos 1970. As primeiras tentativas foram feitas com a mistura de levedura cervejeira e terra diatomácea (kieselgur) para fermentação primária, mas não se obteve sucesso por razões técnicas.
A partir desse momento, a tecnologia foi adaptada para uso majoritário nas etapas de fermentação secundária e maturação. Porém, nos últimos 30 anos, houve um aumento do interesse – e das tecnologias disponíveis – para aplicação da tecnologia novamente na fermentação primária. A imobilização celular já é aplicada rotineiramente em algumas áreas, como biosensores e indústrias bioquímicas e farmacêuticas.
A tecnologia de imobilização celular se baseia no confinamento das células em uma matriz (ou suporte) por um mecanismo físico, de maneira que as atividades biológicas essenciais das células permaneçam inalteradas. A técnica possibilita o uso de altas concentrações de biomassa, o que acelera as conversões no mosto; o reaproveitamento facilitado da biomassa, com a diminuição de operações unitárias como centrifugação e filtração; e maior estabilidade e proteção das células contra tensões de cisalhamento, extremos de pH e temperatura e concentrações inibitórias de açúcar e álcool. Além disso, foram encontradas algumas alterações desejadas nas rotas bioquímicas de leveduras imobilizadas, como maior formação de ésteres e álcoois superiores. Entretanto, pode haver também limitações na transferência de massa entre o mosto e as células imobilizadas e modificações bioquímicas indesejadas das células.
A imobilização celular pode ser realizada a partir da escolha de dois fatores: o método de imobilização e o tipo de matriz.
Os métodos de imobilização podem ser classificados em 4 grupos:
i) imobilização na superfície de uma matriz sólida; ii) confinamento no interior de uma matriz porosa; iii) agregação/floculação celular; e iv) contenção por barreira física. Há diversas técnicas disponíveis para cada método de imobilização. Para a produção de álcool, os dois primeiros métodos (matriz sólida e matriz porosa) são os mais utilizados.
Também há inúmeros tipos de matriz, que devem ser compostas por materiais com características específicas como alta capacidade de carga,baixo valor agregado, alta disponibilidade, estabilidade mecânica e atoxicidade (para aplicação na indústria de alimentos e bebidas). Os materiais podem ser orgânicos ou inorgânicos, sintéticos ou naturais, geliformes ou com superfícies sólidas, desde que proporcionem aos microrganismos a permanência da viabilidade e da atividade biológica por longos períodos. A eficácia do material para imobilização é diretamente proporcional à quantidade de células viáveis confinadas nele, sem que se cause prejuízo à atividade metabólica das células.
Os métodos de imobilização por confinamento normalmente permitem alcançar altas concentrações celulares, porém fatores como a instabilidade mecânica da matriz e a dificuldade da produção em larga escala podem dificultar o escalonamento de processos que utilizam esse método.As matrizes porosas utilizadas para confinamento geralmente são polissacarídeos, proteínas ou polímeros sintéticos; as mais utilizadas são a carragena, o agar, a pectina e, principalmente, o alginato e a celulose. A imobilização por confinamento ocorre instantaneamente no contato de uma solução rica em íons e células com uma solução indutora de polimerização. O alginato de sódio, por exemplo, é um polissacarídeo derivado de algas ou bactérias que forma estruturas tridimensionais gelatinosas insolúveis no contato com íons Ca2+. Matrizes poliméricas não-gelificantes também têm demonstrado bons resultados em aplicações industriais.
A principal dificuldade do método está no escalonamento do processo, tanto da confecção das matrizes como da imobilização celular. A confecção das matrizes na forma esférica pode ser realizada por
difusão, por extrusão e em leito fluidizado – este último tem se mostrado mais interessante industrialmente, já que resulta em esferas com alta porosidade, alta resistência mecânica, baixa compactação e pequena amplitude de tamanho.
À medida que esses novos materiais e essas novas tecnologias para fabricação das matrizes e imobilização das células se difundem em outros setores, a indústria cervejeira também pode se beneficiar desses avanços e aumentar sua produtividade, sem diminuir a qualidade do produto e até criando produtos sensorialmente diferenciados.
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