O segredo do corante caramelo

pepsi-splashAlém de melhorar a aparência do produto, os corantes também proporcionam maior uniformidade aos alimentos

Por Paulo Garcia de Almeida

A indústria de bebidas e alimentos utiliza os corantes para conferir,intensificar ou restaurar a coloração dos seus produtos. Isso proporciona não só uma aparência mais convidativa, sob o ponto de vista sensorial, mas também é de suma importância sob o ponto de vista tecnológico, para garantir a uniformidade do produto. O mercado mundial de corantes movimenta anualmente cerca de U$ 950 milhões. Os sintéticos (U$ 400 milhões) ainda são os mais utilizados, enquanto que os naturais movimentam U$ 250 milhões, dos quais U$ 100 milhões apenas nos EUA. Os corantes idênticos aos naturais contribuem com U$190 milhões e o corante caramelo, sozinho, movimenta U$ 100 milhões/ano, representando uma parcela significativa deste mercado. Esta situação se deve principalmente, pela sua utilização nas indústrias de refrigerantes do “tipo cola” sendo que no Brasil também participa na formulação dos refrigerantes, sabor guaraná, maçã, abacaxi, tutti-frutti assim como em bebidas alcoólicas. Em volume de produção, o consumo mundial de corante caramelo ultrapassa 200.000 toneladas/ano e responde por mais de 80% (em peso) de todos os corantes adicionados em alimentos e bebidas.

Evolução histórica do corante caramelo

A caramelização do açúcar na produção de caldas escuras e aromáticas, para serem adicionadas em doces e sobremesas caseiras, vem sendo produzida há séculos. Inicialmente, o corante caramelo era produzido pelo simples aquecimento de açúcares a altas temperaturas (cerca de 200oC) até a perda de 10% a 15% do seu peso inicial. Geralmente, utilizava-se açúcar de cana, porém, glicose, mel, melaço e misturas de açúcares também eram empregados. Glicose e frutose são os açúcares que caramelizam mais rapidamente. Com sua crescente utilização, e nas mais variadas aplicações alimentícias, foram introduzidas modificações no seu processo de fabricação, obtendo-se corantes com diferentes atributos funcionais e compatíveis com os vários tipos de alimentos e bebidas.
CervejasUma das primeiras informações sobre caramelo foi feita pelo filósofo romano Sêneca em 65 a.C., mas a primeira publicação científica aparece nos ANNALES DE CHIMIE ET PHYSIQUE em 1838, de autoria do químico francês Eugene Peligot. Ele observou que aquecendo e mantendo o açúcar comum entre 210oC – 220oC ocorria uma reação espontânea, na qual o açúcar adquiria uma coloração marrom que continuava a escurecer cada vez mais, liberando muito vapor de água e exalando odor de açúcar queimado. Ao término da reação formava-se uma substância preta de aspecto brilhante, solúvel em água e sem sabor de açúcar, que ele denominou de caramelo. O produto final foi analisado e com os resultados obtidos, foi proposta a fórmula C48H36O18.
Durante quase vinte anos, o caramelo não foi mais mencionado em publicações , ressurgindo apenas em 1858 novamente nos ANNALES DE CHIMIE ET PHYSIQUE, no artigo “Étude du caramel et des produits torréfiés”, de autoria de Gélis. O pesquisador Voekel já havia repetido e confirmado o experimento de Peligot e denominou o composto formado de caramelano, atribuindo a fórmula C24H13O13. Gélis, após estudar e analisar os experimentos dos outros dois pesquisadores, concluiu que, na realidade, existiriam três substâncias que faziam parte do caramelo e as denominou de caramelano, carameleno e caramelino. A formação desses compostos foi representada do seguinte modo:
No entanto outros estudos não confirmavam estas fórmulas e a primeira discordância em relação a estes compostos é atribuída aos pesquisadores Joszt e Molinski que colocaram em dúvida a existência do caramelano, carameleno e caramelino, após realizarem análises de acidez, tensão superficial, viscosidade e intensidade de cor, pois verificaram diferenças não significativas nestes valores entre os três compostos.
Com o avanço dos trabalhos apresentados sobre o corante caramelo, em meados do século XIX,surge na Europa as primeiras indústrias produtoras deste corante e, em 1863, nos EUA. Inicialmente, o aditivo era vendido para aplicação em produtos de cervejaria e para colorir conhaques.Como o corante caramelo tem sido utilizado há muito tempo e numa grande variedade de produtos alimentícios, os consumidores tendem a pensar que trata-se de uma única substância, quando na realidade, é um grupo de produtos similares com propriedades diferentes. Existem classes distintas de corante caramelo que satisfazem as exigências dos diferentes tipos de alimentos e de bebidas. Com o aumento do volume de produção e as possibilidades de aplicações, houve necessidade de regulamentar e estabelecer es-pecificações para este novo produto. Em 1940, o FDA propôs estes procedimentos determinando que o corante caramelo utilizado em alimentos e bebidas deveria ser identificado na rotulagem como “colorido de açúcar queimado”, “adicionado de corante caramelo” ou “colorido com caramelo” até que em 1958, o corante caramelo foi incluído na lista de produtos GRAS (Generally Recognized As Safe).
Antes disso, em 1923, na Europa, o Reino Unido, através do Comitê do Ministério da Saúde iniciou um estudo abrangente para avaliar os corantes alimentícios. Durante 30 anos estes aditivos foram submetidos e avaliados em inúmeros testes toxicológicos e, em 1954, foi apresentada uma lista positiva na qual o corante caramelo foi designado corante natural e aprovado para uso em alimentos.
O JECFA apresentou em 1978 uma classificação com três classes de caramelo. Posteriormente, a Associação dos Fabricantes Ingleses de Caramelo propôs uma subdivisão em seis tipos.
Vários estudos foram realizados para se estabelecer a adequada especificação do corante caramelo, contudo, o mais abrangente foi patrocinado pelo ITCA (International Technical Caramel Association), um grupo formado pelos maiores usuários e fabricantes de corante caramelo do mundo. As pesquisas tiveram o intuito de definir padrões para assegurar qualidade e segurança aos consumidores e agências governamentais, quanto ao uso desse corante. Inicialmente, o corante foi fracionado utilizando ultrafiltração e dividido em subfrações por técnicas baseadas na carga elétrica, polaridade, solubilidade e grupos funcionais. As subfrações foram submetidas a análises cromatográficas juntamente com outras técnicas físicas e químicas. Os estudos definiram quatro tipos de corante caramelo:
Classe I caramelo simples ou caramelo cáustico – preparado pelo tratamento térmico controlado de carboidratos com álcali ou ácido;
Classe II caramelo sulfito cáustico – preparado pelo tratamento térmico controlado de carboidratos com compostos contendo sulfito;
Classe III caramelo amônia ou caramelo beer – preparado pelo tratamento térmico controlado de carboidratos com compostos de amônia;
Classe IV caramelo sulfito amônia ou caramelo soft drink – preparado pelo tratamento térmico controlado de carboidratos com compostos de amônia e de sulfitos.quadro 1
Em relação às matérias primas e produtos auxiliares, os carboidratos permitidos na produção de caramelo devem ser comercialmente avaliados como adoçantes de grau alimentício, como por exemplo, glicose, frutose e/ou seus polímeros. Os ácidos e bases também devem ser de grau alimentício, permitindo-se o ácido sulfúrico e o ácido cítrico. As bases de grau alimentício podem ser os hidróxidos de sódio, cálcio, potássio, sozinhos ou em misturas. Os reagentes de amônia podem ser os respectivos sais de carbonatos, bicarbonatos, fosfatos, sulfatos, sulfitos, ou na forma de hidróxido de amônia ou bissulfito. Os reagentes de sulfito podem ser o ácido sulfuroso, gás sulfídrico ou os respectivos sais de amônia, sódio e potássio.
Como o corante caramelo não tem uma fórmula química definida o comitê de especialistas em aditivos, JECFA, estabeleceu que o corante caramelo é uma complexa mistura de compostos, alguns dos quais na forma de agregados coloidais, fabricados pelo aquecimento de carboidratos, isoladamente ou na presença de ácidos, álcalis ou sais de grau alimentício. Na legislação brasileira, o decreto nº 55871/65 define “caramelo” como sendo o produto obtido, a partir de açúcares, por meio do aquecimento a temperatura superior ao seu ponto de fusão e ulterior tratamento indicado pela tecnologia. As diretrizes para permissão e uso em alimentos seguem as recomendações do Codex Alimentarius, da EU e do FDA.topo_food_ingredientes

Aplicações

Cargas elétricas representam uma Importante característica do corante caramelo
A formação desejável da cor marrom escura geralmente é associada ao escurecimento não enzimático que ocorre de algumas formas. As duas mais importantes reações são:
i) Reação de Maillard, na qual açúcares, aldeídos e cetonas reagem com compostos contendo nitrogênio, como as aminas e as proteínas, para formar pigmentos marrons conhecidos como melanoidinas;
ii) Reação de caramelização, na qual açúcares são aquecidos na ausência de compostos contendo nitrogênio.
A característica coloidal do corante caramelo propicia cargas elétricas e dois grandes tipos são produzidos:
i) Eletropositivo ou positivo, que é feito com compostos de amônia.
ii) Eletronegativo ou negativo, feito com compostos de sulfitos.
A carga elétrica adquirida durante o processamento é um aspecto de extrema importância do corante caramelo e indica em quais bebidas e alimentos o corante poderá ser aplicado.
Dependendo da classe do corante caramelo, são indicados para distintas aplicações, tais como sobremesas e molhos (classe I); licores (classe II); cerveja, produtos de panificação e confeitaria (classe III); refrigerantes, sopas e alimentos para nutrição animal (classe IV).
É a existência das cargas positivas ou negativas que determina a compatibilidade com o meio aquoso, além de estabelecer um estado de repulsão entre as próprias moléculas de caramelo. Isso leva a um aumento da interação com o solvente e, consequentemente, favorecimento da solubilidade. A carga coloidal é influenciada pelo pH do meio. Dessa forma, uma mudança de pH das soluções onde se aplicam o corante caramelo pode levá-lo ao seu ponto isoelétrico (neutralização das cargas elétricas), causando efeitos indesejáveis como precipitação, efeitos de névoa e separação. É por este motivo que um corante caramelo utilizado para cervejas não pode ser utilizado em refrigerantes.
As quatro classes distintas do corante caramelo (I, II, III e IV) foram agrupadas de acordo com os reagentes utilizados como catalisadores na sua fabricação.Doces
O corante caramelo Classe I é produzido com o menor número de reagentes e produz uma carga elétrica ligeiramente negativa. Já o corante caramelo Classe II tem sulfito como catalisador da reação, o que também lhe confere carga iônica ligeiramente negativa. Essas duas classes de corantes (I e II) são compatíveis com bebidas de alto teor alcoólico. Com a introdução de sais de amônia como reagente, produziu-se um corante caramelo com carga iônica fortemente positiva (Classe III), o que o tornou compatível com bebidas como a cerveja e proteinados.
Há mais de cem anos foi inserida no processamento do corante caramelo, a utilização simultânea dos reagentes à base de sulfito e amônia, utilizados como catalisadores. Essa técnica resultou na produção de um corante com carga iônica fortemente negativa denominado de Classe IV, com boas propriedades emulsionantes e alto poder tintorial. As características do corante caramelo Classe IV apresentaram alta compatibilidade em refrigerantes e bebidas de baixo pH o que justifica o fato deste tipo corresponder a 70% de todo o corante caramelo fabricado mundialmente.
O Quadro1 apresenta as quatro classificações do corante caramelo, de acordo com os órgãos internacionais (JECFA, EU) e nacionais (INS), os reagentes utilizados na sua fabricação, a carga elétrica final do produto e sua ingestão diária aceitável (IDA).
Cada uma dessas quatro classes do corante caramelo apresenta propriedades funcionais específicas que asseguram a compatibilidade com os produtos destinados e eliminam efeitos indesejáveis. O corante caramelo se apresenta comercialmente na forma de um líquido viscoso ou pó higroscópico, com odor de açúcar queimado.
Atualmente, o termo “corante caramelo” é utilizado para distinguir os produtos utilizados estritamente com propósitos de colorir, diferentemente do termo “caramelo” referente aos confeitos e aroma de caramelo.

4-metilimidazol

Uma atenção maior de um compostos químico formado na produção do corante caramelo classe IV, passou a ser destacado nos últimos anos liderados pela agência de proteção ambiental do estado da Califórnia, nos EUA, que culminou com uma revisão na legislação local em relação aos limites de risco no consumo deste composto.
Trata-se do 4-metilimidazol, considerado como possivelmente carcinogênico para humanos pela International Agency for Research on Cancer. Em função da atual legislação daquele estado americano as empresas de refrigerantes passaram a utilizar um corante caramelo com menor teor deste composto, para se enquadrarem no limite legal e poder comercializá-los. Em relação a nossa legislação,a ANVISA publicou informativo técnico a respeito e conclui que não existe evidência científica que justifique alterar o status de uso deste corante e tampouco a obrigatoriedade de advertência sobre eventual periculosidade deste aditivo alimentar.

MSc. Paulo Garcia de Almeida
MasterSciences
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