Vinhos com alto teor alcoólico não são mais sinônimos de qualidade, outras características merecem avaliação. Mesmo assim, esses produtos continuam em alta no mercado e são opções
da grande maioria dos tomadores de vinho. No entanto, vinhos mais leves e com menor teor alcoólico como espumantes, rosés e brancos conquistam consumidores e crescem nas vendas
e nos portfólios das vinícolas. O consumidor, por sua vez, busca qualidade e alternativas que combinem com seu estilo de vida e diferentes ocasiões de consumo
Carlos Donizete Parra
Como tudo na vida, nossos hábitos e costumes vão mudando com o passar do tempo e essa mudança afeta o relacionamento entre o consumo e as marcas. Nesse contexto, fabricantes de bebidas precisam de atualizações de portfólios que garantam produtos relevantes e atrativos nos pontos de vendas.
O consumo de vinhos e espumantes no Brasil registrou um crescimento considerável nos últimos anos com perspectiva de aumento de 2% em 2024. Apesar de uma leve redução em comparação aos níveis pós-pandemia, o Brasil passou de 22 milhões para 44 milhões de consumidores no período entre 2010 e 2022, segundo dados da Wine Intelligence, colocando o país na 14a posição entre os principais apreciadores de vinhos no mundo. Outro estudo, feito pela mesma consultoria, mostra que o número de brasileiros que consomem o vinho regularmente também apresentou aumento significativo.
Com um faturamento de R$ 20 bilhões em 2022 e um consumo per capita de 2,4 litros, o setor enfrenta desafios para ampliar o consumo, principalmente para algumas faixas de públicos. Os jovens, por exemplo, merecem toda a atenção das vinícolas e para eles embalagens adequadas a ocasiões específicas de consumo podem garantir atributos importantes como conveniência e praticidade.
As questões climáticas também aparecem como um desafio iminente e que precisa de atitudes preventivas para o controle da qualidade dos produtos nos próximos anos, principalmente no caso dos vinhos finos em que a diferença pode estar nos pequenos detalhes.
Informações da OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho) apontam para uma queda de 7% no volume de produção de grandes produtores mundiais como Itália, Austrália, Espanha e Chile decorrente de quebra da safra.
As questões climáticas são apontadas como principais causadoras dessas reduções e a situação só tende a piorar se medidas preventivas não forem tomadas com urgência. Essas alterações no clima dificultam os processos no campo e na fábrica ocasionando aumentos nos custos de produção prejudicando a competitividade dos vinhos no mercado.
Oportunidade para os vinhos nacionais
A tendência global por bebidas com menos álcool pode significar uma grande oportunidade aos vinhos brasileiros que têm em seu terroir uma vocação para produtos com essas características haja vista o sucesso de nossos espumantes em premiações pelo mundo afora e, principalmente, pelas vendas crescentes desses produtos tanto no mercado interno como no exterior.
“No Brasil percebemos um aumento na procura por vinhos com menos álcool, justamente pelo interesse em manter uma vida mais saudável e consumir produtos cada vez mais naturais. Este movimento no Brasil já vem ocorrendo. Aliás, o Brasil é único em diversidade. Temos rótulos para todos os estilos de consumidores, dos mais frescos e fáceis de beber até os mais elaborados, de guarda”, garante Gilberto Simonaggio, enólogo da Miolo Wine Group.
Segundo Simonaggio, a empresa percebeu isso e ainda em 2020 lançou o Miolo Wild Gamay, livre de SO2, 100% vegano. “É um vinho tinto jovem, fácil de beber, com mínima intervenção e que deve ser apreciado logo. É o primeiro vinho de cada safra. Foi o primeiro rótulo desta linha conceitual que, em 2023, ganhou o Miolo Wild Trebbiano (o branco dentro do mesmo conceito)”, explica o enólogo.
“Nossa condição natural é a produção de vinhos com baixo teor alcoólico, sendo que na Serra Gaúcha temos o terroir propício para elaboração de espumante que são vinhos inicialmente com baixo teor alcoólico. O desafio é sempre elaborar vinhos harmônicos, pois quando temos baixo teor alcoólico, aumentamos a sensação de frescor que é muito positiva para vinhos brancos e roses, porém não tanto para os vinhos tintos”, explica Simonaggio.
O enólogo e o terroir
É gratificante ver que a cada ano as vinícolas nacionais evoluem na entrega de vinhos únicos, saborosos e saudáveis. Para isso, o enólogo juntamente com sua equipe, busca cada vez mais explorar os diversos terroirs brasileiros extraindo tudo o de melhor que esses locais podem oferecer. “O terroir vai muito além de compreender a química do solo, com todos os seus minerais que afetam o desenvolvimento das uvas, é uma ciência que requer um conhecimento profundo e detalhado. Afinal, diferentes solos têm diferentes impactos no sabor e na qualidade do vinho. Um exemplo disso é o solo da Serra Gaúcha que é tão conhecido e reconhecido e nele conseguimos enxergar essa distinção nos grandes vinhos e espumantes que nos entrega, e essa excelência e perfeição podem ser alcançadas com um vinho mais leve e fresco, como no caso dos espumantes que o vinho base (o de primeira fermentação) gira, inicialmente, na faixa de 10,0% de álcool”, explica Deise Tempass, enóloga da Vinícola Courmayeur, localizada no Vale dos Vinhedos, Garibaldi.
“Já estamos passando por essa mudança de cultura nos vinhos brasileiros, a prova disso é que encontramos hoje vinhos menos alcoólicos do que alguns anos atrás, quando era ícone dizer que tínhamos vinhos com 14,5% /15% de álcool, carregados de carvalhos e taninos. Hoje estão disponíveis no mercado excelentes vinhos com graduação alcoólica de 11,0 a 11,5%, leves e frutados, que podem ser apreciados gelados, acompanhando nosso clima tropical”, garante a enóloga da Courmayeur.
Tropicalidade brasileira favorece vinhos com menos álcool
Atentas a esse movimento, as vinícolas brasileiras oferecem aos consumidores vinhos que atendem a essa demanda. “Os vinhos brancos e rosés com menor teor alcoólico, algo entre 9,5%, 10%, 11% de álcool, estão crescendo bastante. São vinhos mais frescos, mais leves e apreciados sem a necessidade de estarem associados à gastronomia. São vinhos que podem ser degustados num happy hour, na beira de praia, na piscina. A tropicalidade brasileira reforça essa questão de vinhos com menos álcool para serem apreciados de forma mais “disruptiva”, explica Maiquel Vignatti, Gerente de Marketing da Vinícola Garibaldi. Para ele, os vinhos tintos mais encorpados continuam com forte atuação no mercado e têm seu público e posicionamento específicos. “Existe uma inclinação para os vinhos com menor teor alcoólico no mundo, mas sempre vai existir aquele vinho mais encorpado, com maior teor alcoólico, que são aqueles que têm uma sobre maturação no vinhedo, que passaram por estágio de madeira e precisam do álcool e da acidez para ganhar corpo e estrutura para isso se transformar em longevidade. No caso dos vinhos com menos álcool acho que atender às demandas do consumidor por produtos mais leves, mais fáceis de serem bebidos para, justamente, serem descomplicados na hora do consumo”, explica o executivo da Vinícola Garibaldi.
Desafios de produção
Além das questões mercadológicas que precisam atender as demandas impostas pelos consumidores, as vinícolas precisam lidar também com os desafios tecnológicos inerentes ao processo de produção de um vinho com menos álcool que precisam por vezes de adequação de processos e da matéria-prima utilizada.
As vinícolas brasileiras encontram-se, em sua grande maioria, equipadas com as melhores técnicas disponíveis no mundo para produção de vinhos. De toda forma sempre é possível executar melhorias que possibilitem maior produtividade e qualidade.
“Para a produção de vinhos com menor teor de álcool terroirs mais quentes e secos terão dificuldades, terão que explorar áreas de mais altitude, adensar mais as plantações e rever o manejo. Nas regiões mais frias e úmidas, será resgatado o modo de produzir um pouco menos recente, mas usando os conhecimentos atuais para melhorar perfil aromático e gustativo. É manejo e trabalho mais que compra de máquina ou insumos. Além de pesquisa e testes, claro” garante Lucas Foppa, da Tenuta Foppa & Ambrosi.
Além disso, nunca é demais tomar alguns cuidados para evitar perda de sabor no caso específico desses vinhos. Lucas Foppa acredita que cuidados simples como o controle de fermentação, métodos menos agressivos de envelhecimento e consumir o vinho mais jovem são caminhos recomendados. “ Utilizar uvas menos herbáceas também pode ser uma grande sacada”, explica Lucas Foppa.
Para André Gasperin, Cooperativa Nova Aliança, a produção de vinhos com teor alcoólico mais baixo é bastante desafiadora do ponto de vista técnico necessitando de cuidados específicos no manuseio do vinhedo e no processo de elaboração. “Por ter menor teor alcoólico esses vinhos exigem maior tecnologia no processo de elaboração como estabilização microbiológica, principalmente. Requer investimento em ultra filtração, uso de coadjuvantes, até pasteurização, para garantir a qualidade do produto”.
O mercado mundial conta com uma grande variedade de produtos numa faixa de 4,5% até 11%, podendo ser frisantes, brancos, adocicados, suaves, de sobremesa.
Ele explica ainda que do ponto de vista mercadológico, depende do público – segmentado no mais jovem normalmente. “Em climas mais quentes, até como refresco – sol, praia e piscina – cada vez mais apreciadores. Varia conforme o produto, a demanda, as diferentes faixas de mercado e público”, garante André Gasperin.
Para a produção de vinhos com menos álcool, é necessário adotar algumas práticas, tanto no campo quanto na indústria. “É preciso ter cuidado no manejo do vinhedo, na colheita e na seleção das uvas com menor teor de açúcar, já que o açúcar fermentado se transforma em álcool. Na indústria, utilizamos técnicas de vinificação e monitoramos regularmente o processo para o controle da maceração das uvas e da fermentação da bebida em tanque. Ajustamos essas práticas de acordo com o estilo desejado do vinho, buscando equilibrar a redução do álcool com a manutenção das características e qualidade do produto final”, informa Rodrigo Valerio, Diretor de Marketing e Vendas da Cooperativa Vinícola Aurora, empresa que estima colher este ano 55 milhões de quilos de uva.
O sabor atravessa gerações
Existem sinais claros nos Estados Unidos, Austrália e outros mercados mais maduros que o consumidor e, em especial o jovem, não está preocupado com tradição ou o tipo de bebida que está consumindo – vinho, cerveja, refrigerante ou suco – seja ela alcoólica ou não, o que esse consumidor valoriza cada vez mais é o sabor.
No Brasil, alguns segmentos da indústria de bebidas, já estão há vários anos surfando nessa onda. Bebidas como energéticos, cervejas artesanais e drinks alcoólicos criam receitas com sabores inusitados para conquistar o paladar de consumidores de todas as classes sociais e faixas etárias. Frutas como pitaya, maracujá, graviola, manga, caju, abacaxi entre outras aparecem em lançamentos que ajudam a alavancar o crescimento das vendas desses fabricantes. Isso acontece também com o setor de alimentos em geral e essa tendência deve aumentar nos próximos anos já que o consumidor mostra esse apetite por produtos com sabores diferenciados. No caso dos vinhos, nos Estados Unidos, a Vinícola Stella Rosa viu surpreendentemente seu vinho Stella Rosa Pineapple & Chilli se tornar um dos produtos mais vendidos na categoria em 2023.
Safra 2024
Assim como o mercado mundial, a produção brasileira de vinho deve registrar queda no Brasil em 2024. A maior explicação para essa queda é o clima adverso registrado em 2023. No país, a redução pode chegar a 30%. Já a produção mundial deve ser a menor em 50 anos.
Algumas regiões brasileiras foram severamente afetadas em termos de quantidade. Mas no aspecto qualidade, ainda poderemos obter boas surpresas, segundo alguns enólogos entrevistados.
“Teremos uma boa safra, apesar de pequenas perdas ocasionadas por uma primavera com mais umidade. As uvas para base espumante colhidas no Vale dos Vinhedos são de ótima qualidade”, informa Gilberto Simonaggio, enólogo da Miolo.
Para a enóloga da Vinícola Courmayeur, Deise Tempass, a safra 2024 é bastante desafiadora devido às alterações climáticas e efeitos do El Niño que influenciam na quantidade e também na qualidade da uva. “É mais um ano que temos que utilizar a alquimia das elaborações e fazer da safra 2024 uma grande safra, se não for pela qualidade ou por seus números será pelo grande aprendizado e seus desafios”, diz Deise Tempass.
Tendências
Além do sabor, apontado como um driver na tomada de decisão dos consumidores, a saudabilidade é vital para uma parcela cada vez maior da população.
Campanhas para o consumo responsável do álcool ganham força em todo o mundo, assim como movimentos como o Dry January, realizado nos Estados Unidos que já contabiliza a adesão de cerca de 35 milhões de pessoas. As mudanças de hábitos das novas gerações que priorizam bebidas com menos ou zero álcool também precisam ser consideradas nas estratégias de portfólio das empresas de bebidas.
Para André Gasperin, enólogo da Cooperativa Nova Aliança, composta por mais de 700 cooperados e que vai processar cerca de 35 milhões de quilos de uva nesta safra, a tendência para os próximos anos são vinhos mais leves, frisantes. E, sem dúvida, é preciso investir no público mais jovem.
“Esta é uma tendência observada mundialmente. Cada vez mais os produtos trazem menor teor alcoólico e isso também está intimamente ligado a preocupação em ter uma vida mais saudável. Tecnologias aplicadas na Enologia, como leveduras que preservam aromas e produzem menores quantidades de álcool proporcionam este estilo de produto. A demanda de mercado é um dos principais fatores envolvidos. O teor alcoólico deixou de ser parâmetro de qualidade e equilíbrio há muito tempo. Caiu por terra essa questão de que quanto maior o teor alcoólico melhor o vinho”, avalia o enólogo da Cooperativa Nova Aliança, André Gasperin – reconhecido como Personalidade do Vinho Destaque 2023 pela ABS-RS.
Ele afirma ainda que para entregar um produto neste estilo com qualidade, é necessário a utilização de ferramentas importantes como leveduras que metabolizam menos álcool, que produzem, em função disso, outros compostos ácidos orgânicos, entregando produtos mais frescos, mais jovens. “E, para isso, deve ser feito um amplo controle de maturação das uvas” garante André Gasperin.
A tendência de vinhos com baixo teor alcoólico ou sem álcool está crescendo globalmente. Pesquisas internacionais estimam que até 2026 a receita da categoria sem/com baixo teor de álcool deve crescer mais de um terço. “Esses vinhos respondem à demanda de consumidores, especialmente entre o público jovem, que buscam opções mais leves e saudáveis, inclusive no Brasil. No caso da Cooperativa Vinícola Aurora, já identificamos que os consumidores que escolhem os produtos zero álcool não se limita somente entre os abstêmios. Atualmente, muitos consumidores simplesmente escolheram não consumir bebidas alcoólicas, mesmo que moderado, e este comportamento está muito atrelado à busca de um estilo de vida mais consciente e saudável”, explica Rodrigo Valerio.
A Cooperativa Vinícola Aurora vem acompanhando essa mudança de mercado e estudando alternativas para estar presente também neste nicho. “Em 2019, lançamos o Aurora Zero Álcool branco e, em outubro de 2023, apresentamos na linha a versão rosé. Elaborada à base de suco de uva, a bebida vendida em uma garrafa de espumante é sucesso de vendas em todo o país, sendo também o produto mais comercializado dentro da plataforma própria da Aurora, com um crescimento médio de 20% ao ano”, informa Rodrigo Arpini Valerio, Diretor de Marketing e Vendas da Cooperativa Vinícola Aurora.
Para Maiquel Vignatti, da Cooperativa Vinícola Garibaldi, é muito importante considerar dois pontos de ataque do vinho nacional para 2024 e 2025.
A tendência, segundo ele, é o Brasil recuperar um pouco do mercado de vinhos, mas numa categoria mais de entrada, de vinhos até R$ 60. “Aí sim entram esses vinhos com menos álcool, com pouca percepção de madeira, com maior percepção da fruta, esses vinhos mais leves que a gente falou até agora. Isso para ganhar o mercado. Mas também existe um nicho muito forte de vinhos com um ticket acima de R$ 120, que são os vinhos mais premium, um conceito totalmente diferente do que abordamos aqui.
Podemos falar aí de um share de volume total do mercado muito pequeno, mas com uma representatividade de faturamento muito alta. Então acredito que é na base da pirâmide e no topo da pirâmide que estão os principais nichos do mercado. Eu diria que são os entrantes no mundo do vinho, os novos consumidores e os ainda não consumidores do vinho. E lá no topo, para quem já é conhecedor de vinho, ou um consumidor frequente de vinho, aquele que bebe vinho uma vez ou duas vezes no mês, por exemplo, que procuram, talvez, por vinhos um pouco mais maduros, mais evoluídos. E esse critério funciona tanto para vinho quanto para espumante”, finaliza o executivo da Vinícola Garibaldi.
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