A cerveja segue na frente, mas outras bebidas como vinho, destilados, hard seltzer buscam espaço na preferência do consumidor. A bebida queridinha do consumidor tem que entender
as pessoas. O que elas querem, o que desejam, quais são suas necessidades e suas carências…
Carlos Donizete Parra
Essa é a pergunta de bilhões de dólares que executivos e especialistas de bebidas no mundo inteiro esperam responder o mais rápido possível. O que a cerveja terá que fazer para continuar no topo das escolhas dos consumidores? Destilados, vinhos e novas bebidas como a hard seltzer correm por fora, mas já demonstram que a disputa será intensa. Saudabilidade e sustentabilidade impactam diretamente as escolhas das novas gerações. Como se preparar para esse mundo em ebulição que atinge em cheio o mercado de bebidas? As oportunidades são gigantes haja vista o tamanho da população mundial.
Quais vantagens competitivas temos que desenvolver para avançar nesse cenário? Pontos cruciais são agilidade, velocidade e poder de adaptação. A pandemia se encarregou de acelerar boa parte das mudanças e coube aos empresários encaminhar ações decisivas para viabilização dos negócios. Nesse contexto continua atual e extremamente útil o conceito de antifragilidade criado por Nassim Taleb anos atrás em que as empresas não só resistem às crises como saem mais fortalecidas depois delas, o que diz muito do momento que estamos atravessando. A agilidade é fundamental para que as empresas sejam rápidas suficientemente para se adaptarem às necessidades específicas que estão surgindo diariamente e que diferem de região para região. Temos que ser rápidos para oferecer produtos e serviços personalizados e que proponham novas e inusitadas experiências. Ferramentas já bastante utilizadas pelas empresas como o design thinking, scrum, kanbam e outras fazem parte da rotina das empresas e estão mudando a maneira de trabalhar e desenvolver projetos. Para acompanhar esse dinamismo do mercado de bebidas torna-se essencial o conhecimento e a constante capacitação da equipe. E, nesse caso, nada melhor que beber diretamente da fonte e, por isso, fomos buscar alguns insights e novidades tecnológicas no Simpósio Ibero Americano do VLB. Com mais de 130 anos de existência, o Instituto VLB, de Berlim, é uma entidade tradicional e reconhecida na área de cerveja através de seus trabalhos de difusão de conhecimento e de pesquisas em diversas tecnologias cervejeiras.
Panorama global
O mercado global de cerveja apresenta boa recuperação em 2021 com o arrefecimento da pandemia e o aumento de vacinados pelo mundo.
Entre os principais drives de consumo apontados pelos analistas de mercado estão a premiunizacão, sustentabilidade e saudabilidade.
A preocupação com a saúde avançou ainda mais e puxa o crescimento das cervejas sem álcool e com baixo teor alcoólico. Outras bebidas como hard seltzer e destilados sem álcool também buscam espaço nesse mercado. As mudanças de hábitos dos consumidores abrem espaço também para os coquetéis de destilados e outras bebidas que possibilitam a produção ou finalização do drink em casa. As cervejas sem álcool cresceram 28% ao ano entre 2015 e 2020, enquanto as cervejas com álcool tiveram crescimento entre 2% e 5% ao ano nesse mesmo período.
No Brasil, com a redução das restrições de convívio social, a importação de whisky, vodka e gin, principalmente, cresceu significativamente, indicando a importância dos bares para esta categoria. Em volume as importações de whisky aumentaram em um ano quase 62%, enquanto o gin cresceu 91% e a vodka 31,2% no período.
Mas, para agradar esse consumidor precisamos de velocidade e inovação para oferecer um produto diferenciado. Segundo Erwin Henriques, analista da Euromonitor, adaptabilidade é a palavra chave nesse momento. “Será preciso uma atenção especial a fatores como preço, valor, comportamento do consumidor e mix de canais e produtos. A cerveja tem que preencher uma lacuna deixada no mercado: qual será a bebida para adultos nos próximos anos? Como se adequar e conquistar esse espaço?”, provocou o executivo da Euromonitor em sua palestra no Simpósio.
As empresas terão que compreender as prioridades e preferências das pessoas nessa nova fase. No Brasil, o consumidor passa por dificuldades financeiras com renda menor, desemprego, inflação alta e outros problemas econômicos que impactam diretamente o consumo. Comprar menos mas com mais qualidade deve ser o comportamento para algumas pessoas nos próximos meses.
A RMI Analytics apresentou uma análise global do comportamento das matérias-primas e as perspectivas de crescimento para os próximos anos. “Em alguns países da América Latina, como o Brasil, as cervejas Puro Malte crescem acima de dois dígitos já há alguns anos trazendo aumentos significativos no fornecimento de malte”, explica o analista da RMI. Segundo ele, o e-commerce também impulsionou o aumento das vendas de cervejas nesses tempos de pandemia em que bares e restaurantes tiveram as portas fechadas durante vários meses.
Alguns desafios como a crise energética, falta de embalagens e de algumas commodities afetam as cervejarias. Segundo a RMI, os preços da cevada, lúpulo, malte, trigo e adjuntos estão em equilíbrio e podem variar de acordo com a região. Na América do Sul, as cervejarias ainda dependem muito de fornecedores europeus de cevada. No entanto, existem investimentos no aumento de capacidades na produção de malte no Brasil e México. Alguns mercados também dependem bastante da China para o fornecimento de matérias-primas, situação que pode ser preocupante em virtude da crise energética que o país atravessa.
Malte
Alírio Caldera, especialista da Weyermann, falou sobre O Uso de Maltes Especiais como uma Oportunidade para a Indústria Cervejeira. Centenária e de origem familiar, a Weyermann fornece malte de cevada, trigo, centeio e espelta. O executivo destacou alguns benefícios do uso de maltes especiais na produção de cervejas:
• Retenção de espuma: proteínas e compostos caramelizados de alto peso molecular melhoram a espuma de um modo geral;
• Valor de Ph: maltes caramelo têm Ph mais baixos;
• Estabilidade de sabor: maltes são ricos em melanoidinas, antioxidantes naturais;
• Misturas de maltes para resultados específicos: malte Viena+malte melanoidina+Carared = cervejas vermelhas, além de muitas outras combinações possíveis. “Por isso, existe uma gama enorme de maltes para os mais diversos estilos de cervejas”, explicou Alírio Caldera.
Na elaboração de cervejas sem ou com baixo teor alcoólico o uso de maltes especiais proporcionam características como corpo, sabor e baixa fermentabilidade. Segundo Alírio, os maltes base de alta cor proporcionam uma coloração mais escura e maior sensação de boca devido a uma atividade enzimática ligeiramente menor. Esses maltes também são responsáveis por um menor grau de fermentação. A adição de extratos de malte à cerveja também contribui para o aumento da gravidade original e corpo da cerveja.
Lúpulo
Alexander Feiner, da Hopsteiner, falou sobre a importância de um programa de melhoramento do lúpulo, principalmente diante das terríveis ameaças causadas pelas mudanças climáticas do planeta.
Segundo ele, as estratégias de biodiversidade da empresa buscam uma redução de 50% de pesticidas químicos e de 20% de fertilizantes até 2030, além de ações que convertam cerca de 30% das terras e mares europeus em áreas protegidas.
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Por isso é importante o cultivo de novas variedades de lúpulos de alto rendimento para o desenvolvimento de uma indústria mais sustentável e moderna. No entanto, esse é um trabalho que requer tempo e muito investimento. O desenvolvimento de uma nova variedade em escala comercial demora cerca de 10 anos para chegar ao mercado. A Hopsteiner está desenvolvendo uma nova variedade chamada Akoya com características de aroma de chá, lúpulo picante, frutas verdes e pimenta.
Possui entre 9% e 10% de alfa-ácidos e entre 1,5 e 2,0 ml/100 gramas de óleo. A variedade Akoya está posicionada na categoria de lúpulos de aroma.
Com o crescimento das cervejas artesanais houve uma avalanche no lançamento de novas variedades de lúpulo, assim como um aumento no consumo dessa matéria-prima. Carlos Ruiz e Johann Bertazzoni. da HVG, apresentaram uma linha do tempo com o comportamento dessas variedades no mercado.
Atualmente, são cultivadas cerca de 300 variedades em todo o mundo. Para se ter uma ideia, na Alemanha, até o final da década de 1950, eram cultivadas somente quatro variedades de lúpulo.
Segundo Carlos Ruiz, o movimento das craft beer nos Estados Unidos foi responsável pelo aumento das vendas de lúpulos alemães com o desenvolvimento de variedades específicas para essa indústria.
Com mais de 1000 anos de tradição, o lúpulo alemão vem evoluindo ao longo dos anos, com certificações de garantia de qualidade e rastreabilidade, além de utilizar técnicas avançadas para industrialização, logística e transporte.
Para exemplificar esse trabalho de desenvolvimento de variedades específicas de lúpulo alemão para o mercado craft, a HVG produziu em escala piloto a receita de uma IPA tradicional com lúpulos alemães.
A análise final da German IPA apresentou características de uma típica IPA com toques resinosos, amargor muito suave e balanceado com bom drinkability. No painel de degustação, os cervejeiros elogiaram as características frutada, floral e resinosa da cerveja.
Dosagem de lúpulo
O lúpulo é adicionado em vários pontos do processo de produção com objetivos específicos que podem resultar em cervejas de diferentes características, assim como permite a obtenção de resultados diferenciados de rendimento.
Alexander Scheidel, da Krones Steinecker, trouxe uma abordagem sobre os vários fatores que influenciam na isomerização dos alfa-ácidos, componentes essenciais para obtenção de uma cerveja de qualidade. Entre esses fatores estão a temperatura, Ph e tempo. “Para isomerização dos alfa-ácidos (humulonas) em iso alfa-ácidos, a solubilidade dos alfa-ácidos é o parâmetro chave, que depende principalmente do valor de Ph do mosto”, explica Scheidel.
Para aumentar o rendimento do lúpulo, a Krones desenvolveu um dosador que solubiliza o lúpulo em água pré-tratada num tanque externo à linha de produção. O processo permite a obtenção de valores mais altos de ph e, consequentemente, aumento da concentração de alfa-ácidos com menor dose de lúpulo. “A água alcalina utilizada na isomerização do lúpulo é produzida a partir de eletrólise mediante a água de fabricação normal da cerveja”, explica Scheidel.
Os testes realizados na cervejaria experimental da Steinecker com duas cervejas de prova, uma com receita e uso tradicional do lúpulo e a outra com adição 32% menor de lúpulo mostraram resultados satisfatórios na utilização do equipamento de dosagem. Em um painel de análise sensorial às cegas com 17 degustadores, as duas cervejas apresentaram amargor de 20 IBU. Sabor e aromas também apresentaram o mesmo padrão, mostrando que é possível reduzir a quantidade de lúpulo sem prejudicar essas características, entregando uma cerveja de muito boa qualidade e reduzindo os custos com a matéria-prima. O equipamento de dosagem está em fase experimental e possíveis melhorias serão adicionadas para lançamento da solução no início de 2022.
Melhorar a isomerização do lúpulo
Aumentar a taxa de isomerização de lúpulo na sala de cozimento é o objetivo do equipamento desenvolvido pela Ziemann Holvrieka. O equipamento de dosagem não interfere no restante do processo de cozimento. Chamado de Janus, a nova tecnologia é capaz aumentar a taxa de isomerização e de rendimento de lúpulo.
Para comprovação dos resultados foram realizados testes na planta piloto da empresa, os quais apresentaram resultados positivos com aumento no rendimento de lúpulo sem nenhuma alteração nas características do mosto e no sabor do lúpulo na cerveja. “Janus é um up grade na sala de cozimento minimizando investimentos com rápido retorno. Um desenvolvimento importante nesse momento em que as cervejas especiais ganham mercado e as indústrias necessitam de tecnologias que garantam qualidade e minimização de recursos”, explica Gustavo Acioli, Gerente de Vendas da Ziemann Holvrieka América Latina.
Consumo acelera na pandemia
Em 2020, em plena crise sanitária, o mercado cervejeiro brasileiro registrou um aumento de 5,3% em relação a 2019, atingindo 13,3 bilhões de litros vendidos e ficando atrás apenas de China e EUA no volume de vendas global, segundo dados do Euromonitor. O número perde apenas para 2014, ano em que o país sediou a Copa do Mundo. Responsável por 1,6% do PIB brasileiro, esse mercado gera cerca de R$ 21 bilhões em impostos ao ano, mostrando ser um setor de relevância para a economia nacional. O estudo revela ainda que os brasileiros consomem, aproximadamente, seis litros de cerveja por mês.
No mercado cervejeiro, os movimentos estão intensos. Grandes players como Ambev, Heineken, Petrópolis e Cidade Imperial investem em ampliações e modernizações de fábricas. Andina e FEMSA, fabricantes de Coca-Cola no Brasil, anunciaram a compra da Cervejaria Therezópolis e, posteriormente, Estrella Galícia e Coca-Cola assinaram acordo de distribuição permitindo que as cervejas da fábrica espanhola sejam distribuídas pela gigante dos refrigerantes. Recentemente, a Estrella Galícia anunciou a construção da primeira unidade da empresa fora da Espanha. Com investimento de 2 bilhões de reais, a nova unidade será instalada em Araraquara, no interior de São Paulo e deverá iniciar as operações no final de 2023 (veja matéria completa nesta edição).
As cervejarias também aumentaram a quantidade de lançamentos no Brasil, caso da Heineken com a chegada da Tiger, cerveja puro malte criada em Singapura, em 1932. Presente em mais de 50 países, seu público alvo são os young millennials entre 25 a 30 anos.
A Ambev também ampliou o portfólio com a Spaten, puro malte alemã criada em 1397 em Munique. Spaten vai competir no segmento que mais cresce no Brasil em garrafas de 355 ml e 600 ml, além de lata sleek de 350 ml.
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