A revolução sensorial do mercado cervejeiro

Os potencializadores de aromas estão em alta na produção da bebida: terpenos remetendo à cannabis, corantes à base de flores ou algas, cafés com torra específica, lúpulos importados, entre outras mil variações

Por Thais Martins

No último ano, após melhora do cenário da pandemia, muitas cervejarias aumentaram o volume de produção devido ao maior consumo de álcool. E, com isso, os fabricantes investiram pesado em novas tecnologias, seguindo tendências internacionais. De acordo com Riccelli Adriel, gerente de marcas, sommelier e docente do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), uma verdadeira explosão de sabores chegou até os copos dos brasileiros. “São inúmeras possibilidades, como terpenos aromáticos remetendo à cannabis após legalização dos EUA; corantes naturais à base de flores ou algas; cafés com torra específica com menos adstringência; amplificadores de thiois à base de pó de uva (aroma/sabor); lúpulos importados da Nova Zelândia, África, Eslovênia; e também o avanço do cultivo do nosso lúpulo”.

O brasileiro é extremamente exigente em relação
ao aroma, sabor e até o visual da garrafa ou lata,
RICCELLI Adriel, Senac

Pela experiência do especialista, tudo vem sendo transformado para tornar o produto mais atrativo. “O brasileiro é extremamente exigente em relação ao aroma, sabor e até o visual da garrafa ou lata. Houve um tempo em que estávamos acostumados a degustar cervejas com off flavors (defeitos), afinal era o que tínhamos de exemplares importados, que sofriam por não serem pasteurizados e chegarem aqui sem frescor e, até mesmo, prejudicados pela logística de liberação das cargas via importadoras. Hoje, a régua subiu com brewpubs espalhados por todo o país e o consumidor de nicho cada vez mais conhecedor da parte técnica, tomando bebidas envasadas dias antes da comercialização”.

Porém, por mais que o Brasil esteja avançando no quesito qualidade e entrega, ainda há um obstáculo: toda cadeia, inclusive de inovação, acaba impactando no preço, além do imposto bem complexo para os pequenos produtores, que arriscam mais em qualidade e tecnologia do que as grandes indústrias. “Trazer o consumidor de entrada e desafiá-lo a provar essas inovações, pagando o preço médio de uma lata (R$35 ou mais), é o maior entrave do mercado. Buscar condições tributárias mais justas e furar a bolha inovando também em estilos mais tradicionais, de menor custo e acessíveis pode ser a solução”, acredita Adriel.

Temos muitos desafios a superar como a dificuldade de acesso a algumas tecnologias e matérias-primas, o fornecimento irregular de insumos, os altos custos relacionados ao baixo volume e uma condição tributária que vai contra o crescimento, MARCELO Kuri,
Geezer Cervejaria

O Brasil na pauta

Para Marcelo Kuri, sócio-proprietário da Geezer Cervejaria, o mercado brasileiro cresce de tal forma que algumas empresas nacionais tem se destacado internacionalmente. “Ainda temos muitos desafios a superar como a dificuldade de acesso a algumas tecnologias e matérias-primas, o fornecimento irregular de insumos, os altos custos relacionados ao médio/baixo volume e uma condição tributária que anda plenamente contra o crescimento. Não há dúvidas, que a revolução cervejeira brasileira pós era draft está em pleno desenvolvimento. Somos muito jovem ainda quando nos comparamos aos mais consolidados. Mas, estamos caminhando a passos largos a caminho da excelência”.

O executivo da Geezer complementa ao dizer que observa as pessoas interessadas no tema, aprendendo e tentando entender a cerveja como um produto complexo, que navega entre a simplicidade de uma boa Pils e a complexidade em camadas de uma barrel aged trabalhada com excelência. “É um processo que leva tempo para que todos tenham acesso a esse tipo de produto e decidam qual é mais adequado para ele. Vejo aí a importância do apoio, que vai desde a parte regulatória e fiscal, passando pelas confrarias, polos cervejeiros e indo até os bottle shares cada vez mais comuns nos grupos de amigos”.

O Brasil ainda é muito dependente do estilo American Light Lager, popularmente conhecido como Pilsen, o resultado disso é que temos inúmeras fábricas com dificuldades em viabilizar suas operações de maneira formal e rentável, THIAGO Otero Galbeno, Hops Company

Na visão de Thiago Otero Galbeno, sócio-presidente da Hops Company, o Brasil ainda é muito dependente do estilo American Light Lager, popularmente conhecido como Pilsen. “Então grande parte do volume do nosso segmento artesanal é atrelado a cervejas que competem com as grandes marcas. Vejo que países como EUA e da Europa, com maior tradição, não há uma comparação tão direta assim. Há uma percepção de qualidade e valor envolvida. Também temos espaço para esse mercado, afinal esse tipo de competição estimula a venda insustentável. O resultado disso é o que temos: inúmeras fábricas com dificuldades em viabilizar as suas operações de maneira formal e rentável”.

No primeiro semestre de 2023, Jorge Antonio Ometto, proprietário da Lehren Haus – Escola Jundiaiense de Cerveja e Malte, esteve no estado de Michigan, nos Estados Unidos, em uma viagem técnica a diversas cervejarias, desde as que produzem apenas localmente, quanto as grandes companhias, como a Bell’s (Kalamazoo) e Founders (Grand Rapids). “Trouxe algumas tendências: além dos aromas intensos dos lúpulos americanos, nota-se muito a utilização do envelhecimento em madeira, Barrel Wood Aged, conceito que já é explorado há algum tempo na região e em toda a Europa, e que tem chegado com força total aqui no Brasil”.

Entre as tendências trazidas de recente viagem aos Estados Unidos, além dos aromas intensos dos lúpulos americanos, nota-se muito a utilização do envelhecimento em madeira, conceito que já é explorado há algum tempo na região e em toda a Europa, e que tem chegado com força total aqui no Brasil, JORGE Antonio Ometto, Lehren Haus

Ometto complementa que, neste sentido, temos grande vantagem de exclusividade devido as espécies nativas, como a amburana, castanheira, jequitibá-rosa, entre outras. “Embora ainda estejamos no início de um longo caminho, temos muita história de cervejas extraordinárias em terras tupiniquins. Não precisamos exatamente ter os incríveis barris de carvalho francês ou americano para explorar essa técnica, uma vez que contamos com madeiras maravilhosas”.

Vale reforçar que o contato da bebida com a madeira permite características de perfis mais sensoriais, pois durante a fermentação e armazenamento acontece uma interação com o meio ambiente através de micro oxigenação, uma vez que a madeira é porosa. Esse processo traz muito mais complexidade de aromas e sabores para as cervejas. “Podemos dizer que estamos vendo um novo capítulo na história cervejeira no mundo. Voltamos às origens para uma releitura e atualização dos métodos centenários de fabricação, que faz parte da evolução da humanidade”, elucida Ometto.

 

Conquistas do setor

Outro investimento dos produtores brasileiros está na produção de lúpulo, não apenas em estrutura, mas também em estudos das plantações. “Já temos boas variedades, inclusive peletizados, com boa qualidade”, garante o CO-Founder da Cervejaria Satélite e Brewery Manager na Cervejaria Doktor Brau, Marcos André Lopes.

Segundo Lopes, uma conquista foi o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que alterou a Instrução Normativa justamente atualizando e permitindo utilizar diversos insumos, como de origem – o mel e derivados de leite. “O consumidor está cada vez mais a procura de novas experiências gastronômicas e a cerveja consegue ser extremamente flexível por aceitar diversos tipos de adjuntos, como frutas, terpeno, cacau e, até os mais inusitados, como suspiro, doce de goiaba etc”.

Esse avanço tecnológico é bem significativo no mundo dos insumos. “O uso de compostos de lúpulos processados de diferentes formas, na tentativa de isolar apenas a camada aromática sem carga vegetal (Cryo Hops, Cryop Pop); técnicas como late e mash hopping, precursores de tióis, (Phantasm e o recente Tropicalizer); o uso de biotransformação, enzimas (glucosidase e liase) e maltes pouco modificados são exemplos que tem trilhado o caminho para a cerveja rica e saturada em aromas”, afirma Kuri.

O consumidor no radar

Galbeno observa que a demanda do consumidor está muito atrelada ao frescor e intensidade, principalmente em estilos americanos, como IPAs e suas variações. “Nos últimos anos, vimos uma explosão de variedades de lúpulo com perfil sensorial frutado e tropical, com menos presença de notas resinosas, herbais e amadeiradas, que eram os perfis predominantes nas IPAs há 10 anos atrás. Hoje, quando pergunta-se por uma IPA em um bar, normalmente a busca é por uma cerveja com um amargor mais baixo e um corpo mais macio e aveludado – são as conhecidas Hazy IPAs ou Juicy IPAs. O cliente está interessado em provar bebidas mais leves, com maior “drinkability” e que estejam, de certa forma, adaptadas para o nosso clima”.

 

“Atualmente percebe-se muito a busca da harmonização com os alimentos e a tendência para o baixo teor alcóolico, opções não alcóolicas e as cervejas envelhecidas em barris”, VINÍCIUS Calegari de Figueiredo, Natural Terpenes

 

Para Vinicius Calegari de Figueiredo, CEO da Natural Terpenes, os amantes da cerveja estão cada vez mais interessados em explorar perfis sensoriais diferentes, o que tem feito os fabricantes se concentrarem em criar opções de aromas intensos e equilibrados, explorando especiarias exóticas, ingredientes diversificados e nichos de público específicos. “Além disso, atualmen­te percebe-se muito a busca da harmonização com os alimentos e a tendência para o baixo teor alcóolico, opções não alcóolicas e as cervejas envelhecidas em barris”, pontua o CEO da Natural Terpenes, Vinicius Calegari de Figueiredo.

Campos de lúpulos situados em áreas mais altas, que conferem uma amplitude térmica mais acentuada, tendem a ter uma melhor qualidade. Além disso, é preciso manter a qualidade colhendo no ponto certo, desidratando, peletizando, empacotando e armazenando de maneira correta, RAFAEL Naves Figueiredo,
Senhor Francisco Coffee & Hops

Já Rafael Naves de Figueiredo, engenheiro agrônomo e proprietário de empresa Senhor Francisco Coffee & Hops Ltda, prevê que a forma de consumo será ainda mais notória quando o Brasil passar a se destacar no cultivo do lúpulo, como já vem acontecendo com as maltarias nacionais. “Somos uma potência mundial no agronegócio e isso atrai muitos investimentos e pesquisas. Um bom manejo fitossanitário, solo e adubação bem equilibrada, irrigação bem dimensionada, utilização de práticas conservativas que visam o aumento da vida microbiota, utilização de produtos biológicos, dentre muitos outros pontos, são primordiais para um produto com altos teores de óleo essencial e resinas”.

Cuidados específicos com a região e a forma de cultivo são grandes diferenciais na produção das cervejas artesanais. “Campos de lúpulos situados em áreas mais altas, que conferem uma amplitude térmica mais acentuadas, tendem a ter uma melhor qualidade. Além disso, é preciso manter a qualidade colhendo no ponto certo, desidratando, peletizando, empacotando e armazenando de maneira correta. Com as cervejarias aderindo insumos do próprio país, campanhas de marketing vão sendo criadas, consumidores ficam mais informados e conectados com um novo mercado. E assim, com o tempo e muita dedicação, cria-se um novo capítulo”, finaliza.

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