Reduzir custos e aumentar a receita são fundamentos básicos da gestão de negócios.
A tarefa não é tão simples com parece porque também depende de fatores externos e que
nem sempre podem ser controlados pelos empreendedores
Por Carlos Donizete Parra
Parece fácil! Todo mundo sabe que precisa ser feito senão vai dar ruim lá na frente. O problema é fazer!
Aumentar as vendas e reduzir os custos é fundamental para manter as margens de lucro e deixar a empresa longe do vermelho. Acelerar o consumo e colocar o mercado na rota de crescimento é o desejo de todo empreendedor brasileiro, principalmente do setor cervejeiro que sabe muito bem que cerveja e PIB têm relação diretamente proporcional. Outra preocupação dos fabricantes de cervejas em 2023 é a elevação dos preços de matérias primas, embalagens e outros insumos essenciais para o bom funcionamento da área produtiva dessas companhias.
Segundo Gilberto Tarantino, Presidente da Abracerva (Associação Brasileira de Cerveja Artesanal), diferentemente dos grandes grupos, que possuem suas próprias maltarias ou conseguem negociar contratos de fornecimento de longo prazo, as cervejarias independentes ficam mais sujeitas às variações do mercado. “Entendemos, porém, que os reajustes possíveis já aconteceram e as cervejarias não conseguiram repassar esse aumento de forma a repor suas margens. Agora vemos uma fase de acomodação. O que vai fazer a diferença para o mercado é a recuperação do poder de compra do consumidor. Hoje, muitas indústrias operam no vermelho justamente por que o mercado não aceita reposição de preço”, explica Tarantino.
O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em 2023 deve crescer entre 0,5% e 1,2% em sintonia com o tímido crescimento previsto para o mercado mundial.
De acordo com economistas, a previsão é de que a inflação comece a perder força a partir deste ano, voltando a patamares próximos de 5%, beneficiando diretamente o consumo interno. Especialistas também estão otimistas para o início de uma redução da Selic o que pode facilitar a entrada de capital para investimentos das empresas.
“Lidar com esses problemas não tem sido fácil. A Blondine optou por não repassar os aumentos de custos nos preços praticados e, para garantir a sobrevivência no mercado, reduzimos a estrutura de custos fixos. 2022 foi um ano fortíssimo de reestruturação onde fechamos as estruturas físicas do Centro de Distribuição e Escritório administrativo em São Paulo, centralizando toda operação na indústria, em Itupeva. Nossa prioridade é conservar a alta qualidade de nossos produtos. No Brasil, a cadeia de fornecedores para a indústria de bebidas é, de certa forma, um monopólio com poucas opções e o pequeno produtor não tem poder de compra algum”, explica Aloisio Xerfan, CEO da Blondine Bebidas Artesanais.
Mercado
Estudos da IWSR Drinks Market Analysis para o setor mundial de cerveja em 2023 projeta crescimento no volume entre 1% e 2%. Apesar da inflação mundial que aperta o bolso do consumidor, a cerveja mostra resiliência e procura caminhos para de alguma forma chegar aos copos dos apaixonados por cerveja.
A análise aponta China, Brasil e México como países com melhor desempenho na venda de cerveja em 2023. A pesquisa aponta também a importância da ativação de outros canais de vendas como alternativa a bares e restaurantes que ainda enfrentam dificuldades na retomada das operações em alguns países. O comércio eletrônico aparece como uma das opções principais. De acordo com a IWSR, as bebidas devem representar cerca de 25% das vendas em valor deste canal até 2026.
Outro destaque é para o crescimento das vendas de cervejas especiais em 2023 como já aconteceu ano passado. A venda de cervejas artesanais e de produtos sofisticados deverão aumentar acompanhando as tendências do consumidor em busca de indulgência e por prazer em seu dia a dia.
A cerveja sem álcool parece que entrou de vez no hall de prioridades das cervejarias. Ela vai continuar em expansão com taxas de crescimento de dois dígitos na maioria dos países.
Mas, para garantir a competitividade no mercado, as empresas terão que investir em inovação, pesquisa e desenvolvimento de novos produtos tendo atenção especial aos sabores diferentes que possam proporcionar novas experiências de consumo. Oferecer os produtos em todas as ocasiões no tempo certo também é chave para o sucesso, além de colocar a sustentabilidade como tema central das ações da companhia.
Equilíbrio das contas
Para Cesar Muzzi Alcalde, Diretor da Holy Water Cervejaria, localizada em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, o desafio agora é justamente o equilíbrio entre o volume de produção e o incremento dos custos, de forma que a cervejaria possa manter a rentabilidade de maneira sustentável, sem repassar aumentos ao consumidor final, que não consegue absorver qualquer reajuste neste momento.
“Buscamos otimizar ao máximo o processo de produção, melhorando nossa eficiência, e, por consequência, ampliar a nossa produtividade, com menos perda, além de um esforço para otimização dos custos internos, produtivos e administrativos”, diz o executivo.
Com atuação em vários estados brasileiros, a CBCA (Companhia Brasileira de Cervejas Artesanais) enfrenta problemas parecidos. “As cervejarias artesanais continuam na busca incansável por melhorias de processos, redução de perdas , ganho de eficiência de maneira geral. Sempre dá para melhorar e fazer a nossa parte no que só depende de nós.
Claro que sem perder o foco na qualidade. Mas lutamos com os desafios estruturais de sempre, como a carga tributária. Este ano, em particular, alguns desafios foram potencializados como a inflação dos preços das matérias primas e despesas com distribuição, variáveis fundamentais para rentabilidade do negócio. No nosso caso, temos que mencionar um fator preponderante que compensa todos esses obstáculos que é a motivação e engajamento do nosso time que já faz parte da cultura da companhia”, garante Gustavo Barreira, CEO da CBCA – Companhia Brasileira de Cervejas Artesanais.
Para Aloisio Xerfan, CEO da Blondine Bebidas Artesanais, dentro dessa nova realidade da empresa, 2023 será um ano para colocar a casa em ordem. “Porém, acreditamos que ainda temos muitas oportunidades em custos, por incrível que pareça. Esperamos pelo fim do conflito na Europa, uma queda do dólar para patamar de R$ 4,60. A Blondine está trabalhando com um cenário de reconstrução de demanda e expansão dos volumes através de uma injeção de capital na operação”, explica o empresário. Ele continua, “acreditamos que iremos reduzir radicalmente os custos com importação direta de ingredientes como malte e lúpulo, além de algumas iniciativas como importação de garrafas com moldes próprios. Estabelecendo esse novo ciclo de fornecimento, teremos mais competitividade nas gôndolas e crescimento natural de volumes através de oferta de excelente qualidade que sempre mantivemos, porém a preços mais competitivos. Identificamos como extremamente estratégico garantirmos fornecimento externo sem depender dos aumentos compulsórios do fornecimento nacional. A garantia desse caminho é tão importante como a garantia da demanda de vendas”, complementa.
O aumento dos preços dos insumos pode afetar também as grandes cervejarias e aumentar as apostas dessas empresas nas cervejas especiais como já aconteceu em 2022 acirrando a concorrência no mercado e dificultando ainda mais a vida das cervejarias artesanais.
José Luiz Franzotti, Presidente da Poty Cia de Bebidas, grupo que produz a Cerveja Trieste, no interior de São Paulo, acredita que as cervejarias artesanais sentiram as mudanças do mercado. “Por um lado enfrentam restrições no abastecimento de matérias primas e por outro os fornecedores subiram os preços de forma abrupta. Ao mesmo tempo, o poder de compra do consumidor brasileiro segue comprometido. Com isso, as margens de lucro das cervejarias foram esmagadas e muitas marcas não sobreviveram. Acredito que uma estratégia para saírem desse cenário seria a união entre as cervejarias artesanais a fim de efetuarem compras compartilhadas com melhores negociações de matérias primas e embalagens, além de fortalecerem também o raio de distribuição e a cadeia logística de forma geral”, sugere o executivo.
Apesar dos problemas, os empresários estão otimistas e enxergam um mercado ainda com participação muito pequena das cervejas artesanais e muito a ser explorado. “O Brasil ainda tem um mercado consumidor pequeno e temos muito a explorar. Com todos os percalços de guerra, novo governo, impostos altíssimos, percebemos que o público, cada dia mais, busca consumir produtos de melhor qualidade, mais naturais, que surpreendam em sabor, com um custo benefício adequado. Usar a criatividade, produzir e oferecer melhores cervejas é o caminho que temos a seguir”, acredita Cesar Muzzi Alcalde.
Para Victor Marinho, Diretor da Dádiva Cervejaria, é importante pensar nas novas formas de consumo da cerveja, entendendo as pessoas dos mais variados públicos com suas diversidades de gostos e preferências, incluindo aqueles que preferem tomar cervejas sem glúten, não podem ou não querem ingerir álcool, os que dão preferência por cervejas low carb e tantas outras tendências que estão no mercado. A eficiência, segundo ele, é fundamental para garantir a repetibilidade na produção e a qualidade geral do processo.
“Acho que o laboratório é fator chave nessa questão. Infelizmente, pouquíssimas cervejarias artesanais têm laboratório no Brasil. É preciso investir em tecnologia, em equipamentos de análise físico-química e microbiológica para ter o máximo de eficiência no processo. Isso é fundamental para um processo eficiente e recorrente de produção”, analisa Victor Marinho.
Gilberto Tarantino, presidente da Abracerva (Associação Brasileira de Cerveja Artesanal) acredita que as altas nos custos de produção mostram que os desafios das cervejarias independentes são muito maiores do que os enfrentados pelos grandes grupos. “Temos menor poder de negociação com fornecedores e margens menores devido à escala e aos custos tributários. Diante disso, a frase “beba menos, beba melhor”, nunca fez tanto sentido. A cerveja artesanal independente precisa se posicionar no mercado tendo como base atributos sensoriais, sabores, aromas, diversidade, sensibilizando o consumidor para que prefira consumir das cervejarias independentes. É por isso que temos feito um grande esforço para valorizar a cerveja como elemento da gastronomia”, esclarece o presidente da Abracerva.
Fonte: Euromonitor International, Passport/Simpósio VLB
Tradição e nostalgia inspiram novos sabores
Segundo pesquisa global da Kerry, Taste and Nutrition Charts, sabores inspirados em receitas tradicionais e de nostalgia, que passam de geração em geração, vão guiar as novas tendências de comidas e bebidas em 2023.
De acordo com a pesquisa, o sabor continua sendo o principal fator quando se trata de escolhas de alimentos e bebidas pelos consumidores e, neste ano, os consumidores serão motivados pela simplicidade, sustentabilidade e cumprimento de suas metas nutricionais. No entanto, haverá um aumento de combinações de sabores não convencionais, como caramelo salgado e esquites (um aperitivo muito popular no México), com forte interesse em ingredientes funcionais e sabores que remetam a uma história.
Principais sabores
• Haverá um ressurgimento de antigas práticas culinárias e receitas de herança, à medida que os consumidores dão mais importância à tradição e à proveniência. Estragão, pimenta-do-reino, ashwagandha indiana e grãos antigos estão encontrando novas aplicações.
• A indulgência terá um novo significado, com os consumidores mais jovens em particular buscando misturas de comidas e bebidas familiares combinadas com novas tonalidades de sabor, tendência é aumentada pela influência de canais como TikTok e Instagram.
• Ingredientes tradicionais e perfis de sabor emergentes de outras regiões, como carnes com crosta de gergelim preto, coquetéis com especiarias sriracha e curry aioli, e uma sede de bebidas mais saudáveis com ingredientes funcionais, como ashwagandha.
“Os sabores têm uma maneira poderosa de transmitir uma história – especialmente quando se trata de tendências e preferências do consumidor. Este ano, testemunharemos o ressurgimento de tradições consagradas e receitas tradicionais, pois os consumidores desejam misturar sabores conhecidos com sabores novos e emergentes”, destaca Soumya Nair, Diretora Global de Pesquisa e Insights do Consumidor da Kerry.”
Fonte: Euromonitor Internationa/Simpósio VLB
Cevada e malte no radar
A alta da inflação nos Estados Unidos e Europa eleva os preços de commodities fundamentais para a produção de cerveja. As incertezas da economia geram ainda mais imprevisibilidade dificultando planejamentos e prognósticos de como será o consumo de cerveja em 2023. No ano passado, as vendas alcançaram mais de 15 bilhões de litros graças a reabertura de bares, restaurantes e eventos, além da Copa do Mundo de Futebol.
A Guerra na Ucrânia completa 1 ano sem previsões de término.Se tivermos um cenário de consumo parecido com 2022 poderemos ter algumas dificuldades para abastecer os estoques de matérias primas das empresas. Os impactos nos mercados globais já eram sentidos em virtude da Covid 19 e agora foram potencializados em decorrência desses eventos.
Energia e commodities de alimentos são os mais afetados com elevações de preços e volatilidades nas entregas. Diante desse cenário cabe observar de perto as tendências para os próximos meses tentando evitar ou minimizar os efeitos na cadeia produtiva.
Um dos principais centros de produção de cevada no mundo, a Europa já vem sofrendo com quebras de safra em decorrência das questões climáticas afetando as colheitas dos principais países produtores.
Dados apontam que o consumo mundial de cevada nos próximos cinco anos será maior que a produção.
O estoque atual é pequeno causando volatilidade nos preços. Ou seja, não podemos descartar aumentos de preços que podem continuar a atormentar os fabricantes de cervejas. E, como se diz no setor: cevada mais cara ano passado significa malte mais caro este ano.
“Não esperamos problemas de fornecimento para as cervejarias em 2023, mas reajustes de preço devem acontecer pois a matéria prima subiu em relação ao ano passado. Isto porque a maioria (se não todos) os contratos de compra de cevada foram feitos a preços bem maiores que na campanha passada”, explica Alexandre Karkle, Especialista Comercial da Agrária Malte, principal fornecedor de malte no Brasil.
No país, a cevada bateu recordes em área plantada, produtividade e produção, mas ainda estamos longe da autossuficiência, importando cerca de 50% da cevada e do malte utilizados na produção cervejeira.
O Brasil é um dos principais importadores de malte no mundo, enquanto China e Arábia são os maiores compradores mundiais de cevada. A França é um dos principais produtores de cevada da Europa e o maior exportador mundial de malte, seguida por Bélgica e Alemanha.
O aumento de preços impacta diretamente as cervejarias, com maior ênfase ao segmento das artesanais que possui baixa capacidade de estocagem, capital de giro e fluxo de caixa reduzidos, compra em pequena quantidade, entre outros fatores que promovem vulnerabilidade às empresas.
“Sentimos o impacto no custo dos insumos, acrescido da questão cambial e da alta taxa de juros, que afeta não só o produto proveniente do mercado europeu, mas o produto proveniente do mercado global.
Não sofremos com falta de produtos, para a nossa escala de produção, que é artesanal. Mas, sentimos um aumento significativo de preços, o que eleva os custos de produção”, garante Cesar Muzzi Alcalde, Diretor da Holy Water Cervejaria.