Tokens de crédito de carbono ganham força

 

 

A redução de CO2 está diretamente associada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,
da ONU, que trata da ação contra a mudança global do clima

 

Alaercio Nicoletti, gerente de Sustentabilidade e Melhoria Contínua
do Grupo Petrópolis

Por Alaercio Nicoletti

Oficialmente lançado pelo Protocolo de Quioto, tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, em 1997, o termo “crédito de carbono” teve sua comercialização ratificada tanto no Acordo de Paris (2015) quanto na COP26, em Glasgow, no ano passado, em virtude da necessidade vital de frenagem do aumento da temperatura no século. Complementando, a redução de CO2 está diretamente associada ao ODS 13, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, da ONU, que trata da ação contra a mudança global do clima.

Para efeito de comparação, um crédito de carbono (C) corresponde a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida ou foi retirada da atmosfera. As ações para a compensação do carbono podem se dividir em duas formas: pela Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), por exemplo, manutenção das florestas, plantio e redução do desmatamento; ou por Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), com ações como a substituição de energia gerada por combustíveis fósseis, termoelétricas, fontes renováveis eólicas, solares ou hidráulicas. Existe também o REDD+, conceito que agrega o REDD e o manejo sustentável das florestas como forma de conservação e aumento dos estoques de carbono florestal.

O token do crédito de carbono é um ativo financeiro que guarda os mesmos princípios das criptomoedas e de outros ativos digitais, permitindo sua negociação no mercado, tendo a compensação de CO2 a partir de ações REDD+ e/ou MDL como fato gerador. Nessa linha, surgem diversas discussões que identificam pontos positivos e oportunidades, sendo que passamos a argumentar acerca dos principais tópicos dessa dualidade.

Os primeiros pontos referem-se à transparência, escalabilidade e segurança, garantidas por tecnologias como o blockchain, permitindo que um mesmo crédito não seja disponibilizado para 2 entidades (pessoas ou instituições) diferentes. A digitalização também premia quem está trabalhando para a redução dos GEE (Gases de Efeito Estufa), contemplando principalmente o CO2, o que acaba por possibilitar ganhos financeiros com a captação e a consequente venda de créditos de carbono para quem atua em REDD+ e MDL.

O token democratiza o acesso à redução certificada de emissões, permitindo a aquisição de frações mínimas de crédito
até para pessoas físicas

Indo além, o token democratiza o acesso à redução certificada de emissões, permitindo a aquisição de frações mínimas de crédito até para pessoas físicas. Como exemplo, se uma pessoa realiza uma viagem aérea de São Paulo ao Rio de Janeiro, pode compensar seu consumo de aproximadamente 35 Kg de carbono com a compra de token por R$ 10,00.

Vale ainda destacar que essa é uma excelente oportunidade que o Brasil tem em ser protagonista na agenda climática, não só com ações para redução de GEE, mas com a rentabilização a partir de créditos. Hoje são certificados 5 milhões de créditos no país, sendo que, segundo a MOSS, há potencial para emissão de 1,5 bilhão, o que totalizaria um montante de US$ 6 bilhões, valor muito abaixo dos preços praticados nos países desenvolvidos.

Há claras oportunidades para que o token consolide-se no mercado nacional, mas é preciso que haja uma regulamentação governamental para o tema. No Brasil, há padrões voluntários que não estão sujeitos a regras comuns e unificadas, de forma que existem divergências quanto à captação, métodos de aferição e qualidade dos créditos. Entende-se que há um período de aprendizado com os créditos voluntários, a exemplo do que ocorreu com a Logística Reversa de embalagens pós-consumo no país, instituída pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010, mas que só nos últimos anos surtiu termos de compromisso, inicialmente em São Paulo e, a partir desse marco, expandiu-se para os demais estados do país.

O crédito de logística reversa digital brasileiro foi homologado no programa Recicla Mais, do Ministério do Meio Ambiente, em abril de 2022, e tem por base o consolidado modelo europeu. A modalidade permite a compensação em massa do resíduo sólido urbano (embalagens pós-consumo) colocado no mercado. Nesse contexto, surgiram padrões e entidades de controle, verificação e auditoria, aumentando a confiabilidade do sistema e assegurando a rastreabilidade do crédito.

Outra preocupação é que, as empresas, ao compensarem o CO2 com o crédito de carbono, podem não se sentirem estimuladas a realizarem ações efetivas para a redução das emissões de GEE, uma vez que a aquisição de tokens digitais supre o compromisso assumido publicamente e/ou a regulamentação. Esse é um argumento válido mas ineficaz, à medida que os créditos assumam preços competitivos mundiais, e face ao risco de exposição negativa das organizações que adotarem estas práticas,quando estas tornarem-sede conhecimento dos seus consumidores e stakeholders em geral.

Diferente de uma moeda digital, o crédito de carbono atende a um propósito único que é a compensação de uma emissão específica

Há ainda o fenômeno conhecido como “queima” do crédito após a sua conversão em título digital, o que dificulta a rastreabilidade do título, uma vez que fica difícil de confirmar o momento de sua real utilização para a compensação de carbono. Isso não significa que a compensação do carbono não ocorre, pois, uma vez gerado o token, o planeta recebe o benefício prévio. Contudo, fica difícil saber onde ele realmente foi utilizado nas negociações financeiras, visto que o crédito de carbono pode ser transmitido como “moeda” de um para outro adquirente.

Nesse mesmo sentido, a conversão em documento digital permite especulações financeiras que também podem ser evitadas, assim como a queima, a partir de uma regulamentação federal para o tema pois, diferente de uma moeda digital, o crédito de carbono atende a um propósito único que é a compensação de uma emissão específica.

Indo além, a comprovação do lastro do token ainda é um desafio, principalmente pela inexistência de um órgão fiscalizador que confirme desde a origem do crédito até a sua compensação. Contudo, a partir de uma legislação consolidada, como no exemplo dos créditos de logística reversa já citada, será possível a rastreabilidade do ciclo de vida do token, além de permitir o surgimento de mecanismos de controle para garantir que as premissas estabelecidas não sejam burladas, o que certamente dará conforto total ao investidor.

O lançamento de créditos de carbono pode ser interessante por contribuir e incentivar ações
que reduzam o carbono na atmosfera

Como opções em carteira verde, além dos créditos, existem os títulos emitidos diretamente pelas empresas em função de compromissos em relação à redução de emissão de CO2. Nesse caso é importante que o investidor fique atento às ações que a empresa emissora do título está realmente executando e se elas realmente reduzem os riscos de impactos ambientais e, em particular, se contribuem para a agenda climática com a redução dos gases de efeito estufa.

Por fim, há a alternativa por investimento em ações de empresas que possuem certificações verde, como o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da B3 (nossa Bolsa de Valores) em que as empresas são aferidas em diversos tópicos ASG (Ambiental, Social e Governança) contemplando inclusive emissão de GEE. Essas empresas, segundo estudos, costumam inclusive serem mais rentáveis a médio / longo prazo que as que não optam por uma agenda ambiental e socialmente responsável, devido à gestão sistêmica de riscos, além de atenderem aos propósitos de seus consumidores e stakeholders.

Conclui-se que o lançamento de créditos de carbono pode ser interessante por contribuir e incentivar ações que reduzam o carbono na atmosfera, respeitando acordos internacionais e a agenda climática que é de suma importância para a manutenção da vida no nosso planeta. Para que esses esforços sejam efetivos, é necessário que no Brasil, a exemplo de outros países, construa uma regulamentação sobre o tema, o que virá naturalmente pelo aprendizado e pela pressão da própria sociedade. A descarbonização atmosférica deve estar no âmbito dos governos, das empresas e de toda a sociedade, caso contrário, a conta será cobrada mais cedo ou mais tardea partir de fenômenos climáticos, comojá temos vivenciado.

Alaercio Nicoletti
Gerente da Sustentabilidade do Grupo Petrópolis e professor da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

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