Cerveja de milho

A utilização do milho na produção de cerveja tem o custo
como principal fator, mas isso não significa perda de qualidade,
desde que utilizado na dosagem adequada

| EGON TSCHOPE |

Há um bom tempo tenho ouvido e visto diversas declarações de pessoas que sabem pouco ou, absolutamente nada, sobre as ditas cervejas de milho, ou seja, as cervejas brasileiras mais comuns.

Vou tentar, sendo o mais objetivo possível, explicar o porquê que as grandes cervejarias usam cereais não malteados na produção de cervejas.
Primeiro precisamos entender a importância do malte de cevada na produção de cervejas:

A cevada, depois de colhida, não serve para a elaboração da cerveja; o amido ainda está envolto pela hemicelulose (difícil de ser liquefeito). As enzimas (responsáveis pela transformação dos amidos em açúcares) não estão ativas, outras não foram formadas. Os sabores e aromas característicos ainda não estão totalmente ativos. Enfim, fazer cerveja diretamente da cevada é quase que impossível.

Logo, será necessário a malteação da cevada. Em resumo, é um processo onde após um período de maceração (umidificação), a cevada germina controladamente (em torno de 5 a 6 dias) e, finalmente, passa por um processo de secagem. Durante a malteação são formadas e ativadas as enzimas, o amido se torna friável, são ativados (reforçados) os sabores e aromas característicos e, na secagem, pelas temperaturas usadas, definimos as várias cores, ou seja, maltes claros (cervejas claras), maltes escuros (cervejas escuras), maltes pretos (cervejas pretas) e outros tipos de maltes que são usados em formulações de centenas de tipos de cervejas.

No processo de malteação parte do amido já é transformado em açúcar fermentável que no caso da cevada é a maltose. É por isso que após este processo a cevada passa a ser denominada malte. Isto pode ser facilmente constatado pois o grão de cevada tem gosto de batata crua (do amido) enquanto o malte tem gosto adocicado (da maltose).

Produção da cerveja

O malte de cevada está pronto para ser processado, ou seja, começamos aqui o processo cervejeiro propriamente dito. Num primeiro momento o malte será moído sem, no entanto, agredir as cascas que devem ser mantidas o mais intactas possível (as cascas além de servirem como meio filtrante, contém substâncias indesejáveis: polifenóis). Em seguida, o malte moído irá para o processo de mosturação. Neste, as enzimas irão agir transformando os amidos em açúcares (mono sacarídeos: glicose, dissacarídeos: maltose e trissacaríreos). Estes três açúcares serão transformados, pelo fermento cervejeiro, em álcool, gás carbônico e outros, em torno de, 120 subprodutos. Além disso, outros açúcares são formados com uma estrutura de 4 a 9 unidades de glicose (dextrinas de baixo peso molecular). Estes não são fermentados, permanecem na cerveja, é o corpo da cerveja.

Se pararmos para pensar, quanto mais malte mais corpo, mais álcool. Misturas de maltes igual a inúmeros tons de cores. Mais malte remete a mais sabor e aroma.

Adjuntos

O Brasil não é autossuficiente na produção de cevada e malte, portanto, o uso do milho na produção de cerveja contribui para equilibrar a demanda

No Brasil, assim como em vários países do mundo, substituímos parte da maltose provinda do malte de cevada por outras fontes deste produto. Os motivos são vários: custos de produção, cervejas mais leves (cervejas de alto consumo), facilidade de estabilização etc. Outro motivo para usarmos adjuntos é porque a cerveja de malte puro é bem mais “pesada” e sua “drinkability” em um clima quente seria muito baixa. Imagine estar sentado em uma praia em pleno verão tomando uma cerveja de malte puro e com amargor de 18 IBU ou mais!

Produzir uma cerveja leve com baixo amargor é bem mais difícil do que uma cerveja artesanal feita de puro malte e com amargor de 20 IBU ou mais pois qualquer erro de produção ficará mascarado pela grande quantidade de lúpulo. Sem mencionar que o poder bactericida do lúpulo ajuda a proteger a cerveja de contaminações microbiológicas. Nas grandes cervejarias há inúmeros cuidados para evitar o risco deste tipo de contaminação. Além disso, o controle de qualidade exige mais de 200 análises (físico-químico e microbiológico) em todo o processo.

Demanda

A produção atual de cevada no Brasil gira em torno de 365.000 toneladas por ano. A necessidade é de 798.000 ton./ano. Portanto, são importados 433.000 ton. de cevada/ano para serem malteadas pelas maltarias brasileiras. Já a necessidade de malte para a indústria cervejeira é de 1.370.000 ton./ano. Portanto, são importados 705.000 ton. ano de malte cervejeiro.

O consumo atual e total de malte cervejeiro gira em torno de 1.370.000 ton./ano.

Antigamente, no processo cervejeiro usava-se arroz (quirera) e milho (canjica). O arroz era lavado em equipamentos especiais, fervido (liquefeito) e adicionado à mostura onde as enzimas do malte transformavam os amidos do arroz em açúcares. O milho também era fervido e adicionado na tina de mostura. Tudo isso demandava espaço, equipamentos e muita mão de obra.

Tendo em vista que o Brasil tem autossuficiência em milho, o mesmo se tornou um substituto eficiente de parte da maltose do malte cervejeiro (em torno de 40% a 45%). O milho passa por um processo em indústrias especializadas transformando o amido em maltose líquida. Esta é enviada para a indústria cervejeira e adicionada na fervura do mosto.

Se fossemos usar somente malte cervejeiro, teríamos que importar mais 600.000 ton./ano. Isto tornaria o custo da cerveja inacessível para a maioria da população.

Portanto, não só no Brasil, mas em muitos países há a necessidade de substituir parte dos açúcares provindos do malte de cevada por outras fontes de açúcares. Custo é o principal fator.

Egon Tschope
Kleine Ecke Cervejas Especiais

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