Tecnologia, qualidade e experiência sensorial mudando os rumos do mercado de café

Com cerca de 10% do consumo nacional voltado para safras especiais, a segunda bebida mais famosa do mundo
vem se transformando desde o cultivo até a xícara,
destacando a posição do Brasil no setor

Por Thais Martins

O café, uma das bebidas mais apreciadas  em todo o mundo, tem passado por uma transformação significativa impulsionada pela tecnologia e pela crescente demanda do público que preza por qualidade e experiência sensorial. Prova disso é que, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, cerca de 5% a 10% de toda a produção brasileira já seja de safras especiais. O Brasil é o segundo maior consumidor, atrás somente dos Estados Unidos.

“Na lavoura, os avanços tecnológicos têm permitido práticas agrícolas mais eficientes e precisas, visando a excelência da mercadoria final ABIC”, CELÍRIO Inácio, ABIC

Desde o cultivo até o preparo, a tecnologia desempenha um papel fundamental na melhoria do produto. Celírio Inácio, Diretor Executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), destaca a cadeia de produção, que vai da seleção dessas sementes até o processo de torrefação. “Na lavoura, os avanços tecnológicos têm permitido práticas agrícolas mais eficientes e precisas, visando a excelência da mercadoria final. Máquinas de colheita seletiva, sensores de umidade e sistemas de monitoramento climático contribuem para a obtenção de grãos de melhor qualidade ainda”, aponta.

Para Rodrigo Silveira de Oliveira, CEO do Café Supremme Agroempresarial, inovações como drones, sensores remotos e análise de dados são de extrema importância no processo de cultivo. “Essas tecnologias estão sendo utilizadas para monitorar e otimizar as condições de crescimento das plantações. Isso leva a um melhor controle da qualidade dos grãos, garantindo que atinjam seu potencial máximo em termos de sabor e aroma”, explica.

Além da evolução no campo, a indústria não fica de fora. De acordo com o diretor da ABIC, a automação e o controle de variáveis, como temperatura e tempo da torra, influenciam diretamente nas características do café. “A precisão nesse processo pode resultar em perfis sensoriais mais consistentes e personalizados”, completa.

Anna Carolina Viana, CEO do Café Moinho Fino, enfatiza esse avanço de mercado. “Antigamente, o grão era totalmente torrado e, hoje, estamos ampliando o conhecimento, com novas formas de extração para aromas perfeitos. Tanto é que novas cafeterias estão sendo abertas, além do crescimento da profissão de barista”.

Antigamente, o grão era totalmente
torrado e, hoje, estamos ampliando
o conhecimento, com novas formas
de extração para aromas perfeitos”,
ANNA Carolina Viana, Café Moinho Fino

Qualidade e diferenciação

De acordo com a ABIC, a demanda de mercado do café exige critérios minuciosos. “Por isso, nossas certificações são divididas em categorias: superior, tradicional, especial, gourmet e extraforte. Cada uma traz uma experiência diferente, resultado de um processo industrial que se inicia na compra da matéria-prima, passando pela torra, moagem e empacotamento. As embalagens também desempenham um papel importante, pois preservam as características do produto e mantêm sua qualidade no ponto de venda, sem contar a questão da sustentabilidade – menos impacto ambiental e maior comprometimento das marcas com o tema”, diz Celírio.

Outro fator é a genética. “O aprimoramento das espécies gera grãos mais fortes. Além disso, o cultivo sustentável, a diminuição de químicos e a rastreabilidade do procedimento possibilitam uma maior eficiência e precisão na produção. Podemos mencionar a evolução como responsável por criar variedades resistentes e eficazes na fabricação, a sustentabilidade, que reduz a utilização de substâncias químicas, o rastreamento do produto, que permite aos consumidores acompanharem a origem do café que estão consumindo, equipamentos de torrefação e moagem tecnologicamente mais avançados e máquinas de alta tecnologia que viabilizam uma exatidão na extração da bebida”, complementa o executivo da ABIC.

Com tanta tecnologia e opções no mercado, a busca por uma qualidade sensorial elevada no café se faz presente. Com as máquinas automatizadas e diminuindo os erros de preparação mais comuns, o sistema Iperespresso é um exemplo que permite a qualquer pessoa, em casa e sem treinamento na área, produzir uma bebida espressa perfeita, com um resultado difícil de ser replicado até mesmo por baristas.

“Quanto aos aspectos sensoriais, a extração espresso, sob pressão, é a que oferece maior riqueza de aromas, mas isso é, também, uma questão de gosto pessoal”, FREDERICO Canepa, illycaffè Sud America

É o que garante o diretor-geral da illycaffè Sud America, Frederico Canepa. “Quanto aos aspectos sensoriais, a extração espresso, sob pressão, é a que oferece maior riqueza de aromas, mas isso é, também, uma questão de gosto pessoal: cada um dos vários sistemas de preparação conta com sua particularidade, suas vantagens e, como disse, a difusão destes métodos, junto com a oferta de equipamentos mais adequados, tem permitido ao público experiências cada vez melhores”.

O avanço na percepção sensorial da bebida não é aleatória. Cada processo é distinto e as qualidades da semente variam conforme a técnica empregada. Segundo Paulo Ricardo Lisboa, barista certificado pelo Senac, o mesmo produto, preparado com métodos diversos, adquire sabores, aromas e particularidades singulares.

“Nas embalagens, podemos encontrar informações, como textura aveludada, doçura natural da própria fruta, acidez média, todas características das notas do grão, influenciadas pelo terroir do café, pela torra e por outros fatores. Novas abordagens auxiliam na melhor identificação dos aspectos sensoriais, ampliando assim o leque de extrações e sistemas”, esclarece.

Desafios frente ao consumidor

Ao longo dos anos, o comportamento do consumidor de café sofreu importantes mudanças, por um interesse maior acerca das características e especificidades do produto. Uma pesquisa encomendada pela ABIC, em parceria com o Instituto Axxus, mostra a evolução desses hábitos, entre 2019 e 2023. Ao todo, foram entrevistadas 4.200 pessoas, sendo 55% mulheres e 45% homens, de diferentes classes sociais, faixas etárias e regiões do país. Confira os dados do estudo:

“A quarta onda emerge para o auge de plantação, consumo e extração. Há mais estudo e conhecimento”, CEO do Café Moinho Fino, Anna Carolina Viana

• Café é mais consumido na parte da manhã: o resultado da pesquisa aponta que 29% dos entrevistados ingerem mais de seis xícaras de 50 ml diariamente, enquanto 46% consomem entre três e cinco. Após uma redução de 5% dos que não consumiam entre 2019 e 2021; em 2023 o percentual se estabilizou em 3%. Dos que tomam a bebida, 97% preferem fazê-lo ao acordar, uma pequena diminuição em relação a 2021 (98%), já que 88% têm preferência pelo consumo durante o período matutino (em 2021, a taxa ficou em 89%);

• Consumo de café fora do lar: se em 2021 a casa era o principal local para se tomar a bebida, hábito motivado pela Covid-19, em 2023; no pós-período pandêmico, o trabalho voltou a ocupar a primeira posição, ao passo que a despesa no lar caiu para o segundo lugar. Em seguida, cafeterias, bares e restaurantes ficam na terceira colocação, enquanto a habitação de parentes e amigos aparece em quarto;

• Principais motivações: de acordo com o levantamento, 61% dos participantes tomam café pelo fato de melhorar o humor e a disposição. O dado mostra um crescimento desse fator, que em 2019 ficou em 56% e, em 2021, 57%. Outra tendência de comportamento observada pós-pandemia é o papel da bebida como uma oportunidade de interação entre as pessoas, um momento de socialização. Em 2023, 35% atribuem o consumo a esse objetivo. Em 2019, eram 42%, e em 2021, apenas 3%.

A crescente demanda por cafeterias especializadas e produtos de alta excelência também reflete uma mudança no comportamento do consumidor. Com o aumento do acesso ao conhecimento sobre café, as pessoas estão buscando experiências mais autênticas e informativas. É notável a proliferação de locais em grandes cidades que oferecem uma variedade de mercadorias, acessórios e métodos de preparo, além de oportunidades para aprender mais sobre o assunto.

“O cliente está mais exigente, se informando sobre o que realmente precisa. A bebida com açúcar ficou para trás, e, atualmente, se observa a busca por sentir o aroma e o sabor único do grão. Essa procura pela qualidade fez com que houvesse um crescimento nas safras especiais, entre 2022 e 2023, de 1,67%, o que é justificado pela exigência em excelência”, diz Anna Carolina Viana, CEO do Café Moinho Fino.

Procura por qualidade fez com que as empresas aumentassem os portfólios de cafés especiais

Oliveira, CEO do Café Supremme, cita o avanço no comércio eletrônico, que vai de encontro ao progresso no número de apreciadores do grão. “Há uma crescente de consumidores comprando online e assinando serviços que levam direto ao cliente. Atualmente, 80% das nossas vendas são realizadas em nosso ecommerce, com frete grátis acima de R$ 200 e entrega em 24h para a Grande São Paulo, o que reforça essa tendência”.

“Novas abordagens auxiliam na melhor identificação dos aspectos sensoriais, ampliando assim o leque de extrações e sistemas”, PAULO Ricardo Lisboa, Barista

As ondas da bebida

Desde os grãos tradicionais de supermercado até os especiais de pequenos produtores, há uma variedade de opções para todos os gostos. As ondas do café, que marcam as diversas fases de evolução do consumo, refletem a diversidade e a riqueza do comércio atual. De acordo com o barista, Paulo Ricardo Lisboa, cada mercado e país têm um tempo de desenvolvimento diferente. “Por isso, existem aqueles que ainda estão na primeira fase, enquanto outros já atingiram a quarta. Uma não anula a outra, apenas divide a atenção dos amantes da bebida. Cada um vive o seu momento e a sua experiência”.

A primeira onda foi marcada pelo aumento do consumo no mundo, no final do século XIX e início do século XX. Já a segunda veio como uma resposta para a falta de qualidade do produto, ainda na década de 60, quando surgem as cafeterias com ambientes aconchegantes. Na terceira, há o surgimento dos pequenos estabelecimentos com cafés exclusivos, técnicas de extração refinadas, torras mais claras, notas sensoriais e o barista se tornando um agente fundamental do mercado.

“No momento atual, continua Paulo Ricardo, a quarta onda tem a característica de adicionar valor a toda a cadeia do café por meio de uma comercialização mais ampla, bem como buscar, por meio da tecnologia e da ciência, o aperfeiçoamento dos atributos da bebida”.

Canepa, da illycaffè, argumenta que essa fase trata da democratização do consumo considerado especial. “Ou seja, nada mais é do que o aumento da disponibilidade de métodos de preparação antes desconhecidos do grande público e do acesso a grãos de qualidade, algo que está, de fato, acontecendo e tende a aumentar cada vez mais”.

A onda atual pode não ser acessível a todos, especialmente em regiões onde os recursos e a infraestrutura são limitados, de acordo com o CEO do Café Supremme. “Há desafios contínuos, como mudanças climáticas, preços voláteis e competição no mercado que precisam ser abordados para garantir um futuro sustentável para a indústria”. Entretanto, segundo o executivo, o momento representa uma emocionante evolução na forma como o grão é produzido, preparado, apreciado e valorizado em todo o mundo, trazendo benefícios tanto para os consumidores quanto para os produtores, e promovendo uma maior conscientização sobre questões de sustentabilidade e equidade.

De modo geral, e até por tradição, o consumidor brasileiro gosta da torra mais escura, que geral um café de sabor mais marcado

Já a CEO do Café Moinho Fino, conceitua o quarto momento como algo que a indústria ainda está definindo. “O primor vem de encontro à informação que o produtor tem hoje sobre a produção e preparo dos lotes. Com isso, a comercialização de qualidade fica mais acessível. A quarta onda emerge para o auge de plantação, consumo e extração. Há mais estudo e conhecimento”, garante.

As torras do café

A torra varia em diferentes níveis, desde muito clara até muito escura, cada uma com suas próprias características distintas. Segundo a ABIC, naquela denominada como “clara”, o grão preserva sua acidez cítrica, semelhante à do limão, e destaca as diversas fragrâncias presentes nos cafés refinados e suaves. Durante esse processo, os óleos essenciais são preservados, resultando em uma bebida com maior corpo e um sabor suave ao paladar.

Já na torra média, todos os elementos se equilibram: acidez, doçura, amargor e corpo. Durante esse processo, ocorre intensa caramelização dos açúcares e decomposição dos ácidos naturais, reduzindo a acidez pronunciada, aromas e sabores distintos. Em contrapartida, o café desenvolve um corpo mais presente, exibindo uma tonalidade marrom e avermelhada, e proporcionando uma bebida mais equilibrada, com um final doce prolongado na boca.

Por fim, na chamada “escura” o grão apresenta menos acidez, uma leve doçura e um amargor mais acentuado. Os grãos adquirem tonalidades escuras, lembrando o sabor do chocolate e do caramelo, e muitas vezes se assemelham a um café forte, sendo este o tipo mais apreciado pelo paladar brasileiro.

Essa diferenciação se mostra importante na demanda crescente por cafés torrados especiais de alta excelência. Inácio, diretor da ABIC, informa que a instituição lançou, em novembro de 2023, uma certificação para o grão torrado. “Além da qualidade sensorial do produto, esse reconhecimento garante as práticas sustentáveis da fazenda onde ele foi produzido. A sustentabilidade também está em evidência. O consumidor quer saber a origem daquilo que está comprando”, completa.

O diretor-geral da illycaffè declara que há novas tendências, como a torra mais clara, mas não confirma que isto se configura como um método duradouro e generalizado. “De modo geral, e até por tradição, o consumidor brasileiro gosta dela mais escura, que gera um café de sabor mais marcado”.

Brasil x Mundo

O mercado brasileiro é um dos mais influentes e significativos do mundo, tanto em termos de produção quanto de exportação, conhecido por produzir principalmente café arábica e robusta, com destaque para estados como Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. O país também possui um comércio interno forte e crescente. Outros grandes produtores incluem países asiáticos, sul-americanos e africanos, cada um com suas próprias variedades, métodos de cultivo e tradições na forma de fabricação.

Rodrigo Silveira de Oliveira lembra que a variedade arábica é predominante em nosso país, representando a maior parte da produção, especialmente em Minas Gerais. “Colômbia e Etiópia também são especialistas. Quanto ao Canéphora, posso citar o Vietnã e Honduras”, acrescenta o executivo do Café Supremme.

Para Frederico Canepa, da illycaffè, a grande diferença entre o mercado brasileiro e outros centros de consumo está no fato de sermos o maior produtor do mundo, enquanto que grandes nações, como os Estados Unidos e a Europa, não têm a matéria-prima. “Isso faz com que aqui seja muito mais fácil a proliferação de marcas distintas, tornando seu acesso mais acessível. Além disso, por sua extensão e diferenciação marcada entre as várias regiões, produz cafés de características aromáticas bastante diferentes entre si, promovendo uma variedade à disposição do consumidor local: é como se houvesse vários países dentro de um só, o Brasil”, finaliza.

Conquistas, desafios e as próximas tendências

Segundo Oliveira, o café funcional é uma das tendências. “Ele oferece benefícios adicionais à saúde, além do simples prazer de degustar a bebida. Isso inclui aqueles grãos enriquecidos com vitaminas, antioxidantes e ingredientes adaptogênicos. Atualmente, desenvolvemos um com colágeno para um cliente alemão, a ‘Coffee Kolagen’. Também temos encapsulados com açaí, tudo para atender à essa crescente demanda”.

Aromas específicos não vêm sendo tão requisitados, mas em contraponto, a exigência de qualidade vem crescendo. Na visão de Canepa, há uma maior curiosidade em experimentar novas preparações, origens e sabores diferentes. “Uma maior oferta de excelência acabou por criar um maior interesse”, explica.

O executivo argumenta que o maior desafio para o mercado é a preservação do meio ambiente nas áreas cafeeiras, para que seja possível mantê-las produzindo perpetuamente sem exauri-las, o que pode ser conseguido pela agricultura regenerativa, sistema que acaba com o dilema entre a grande produtividade ou a conservação da natureza. “De fato, este sistema permite fabricar muito e, ao mesmo tempo, não só defender o solo como regenerá-lo e ao ecossistema que o circunda. A illycaffè lançou, no final de 2023, o primeiro produto certificado como 100% feito por agricultura regenerativa, o Arabica Selection Brasile Cerrado Mineiro, elaborado no Brasil e vendido globalmente”.

Para Canepa, as próximas tendências tratarão do crescimento nas formas de se consumir, seja pelos vários métodos de preparação disponíveis, seja pela integração do café com outras bebidas e alimentos.

Há, também, as tendências que apontam para uma diversificação de estilos, a sustentabilidade como padrão e o crescimento do mercado online. “A integração de tecnologia à experiência do consumidor, como o QR Code nas embalagens, traz mais informações e torna esta uma grande propensão para os amantes do café”, elucida o Diretor Executivo da ABIC.

Dentro do digital, há também o surgimento de dispositivos móveis que acabam por personalizar a experiência. Lisboa lembra que muitas marcas de café agora têm seus próprios aplicativos, nos quais os clientes podem criar e salvar suas preferências, facilitando o preparo sempre que necessário. “Os apps são uma grande fonte de pesquisa e informações sobre a bebida que está sendo preparada, como dados sobre a origem do grão, o perfil de sabor e até mesmo recomendações de alimentos para harmonizar a refeição”.

O café transita por uma jornada empolgante, impulsionado por inovações tecnológicas, crescente valorização da qualidade e uma busca incessante por experiências sensoriais únicas. “O Brasil, como gigante do mercado, acompanha essa evolução com maestria, oferecendo uma rica variedade de grãos, métodos de preparo e torras para todos os paladares. No futuro, pode-se esperar um comércio ainda mais conectado, sustentável e personalizado, atendendo às demandas de um público cada vez mais exigente e ávido por novos sabores e aromas”, finaliza Lisboa.

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