O Brasil gera cerca de 77 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, dos quais aproximadamente 40% são destinados a aterros sanitários. O desafio é reduzir esse resíduo tanto nas coletas quanto nos aterros
Alaercio Nicoletti Junior
Aterro Zero é um conceito criado na década 1970, e sua abordagem central é a gestão eficiente de resíduos, visando eliminar o descarte de materiais em aterros sanitários. Nas últimas décadas, e especialmente na mais recente, esse conceito ganhou força impulsionado pelas crescentes exigências ambientais, sociais e de governança (ESG). Temas como a preocupação com o destino responsável dos resíduos extrapolou os limites das corporações e passou a ser incorporada também em nosso cotidiano, por meio de práticas como a separação de recicláveis e o uso racional de recursos naturais como água e energia. Trata-se de uma evolução coletiva de consciência, que pode – e deve – ser aplicada tanto nas residências quanto nas organizações de grande porte.
Segundo dados de 2024 da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA), o Brasil gera cerca de 77 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, dos quais aproximadamente 40% são destinados a aterros sanitários. O desafio é ainda mais evidente quando analisamos os resíduos plásticos. Um estudo do Blue Keepers, projeto vinculado ao Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas), aponta que 3,44 milhões de toneladas de plásticos provenientes do Brasil alcançam os oceanos anualmente. Estima-se que entre 86 e 150 milhões de toneladas desses resíduos já estejam acumuladas nos oceanos. Além disso, a revista científica Plos One publicou em 2023 uma estimativa alarmante: 171 trilhões de partículas plásticas, equivalente a 2,3 milhões de toneladas, circulam nos mares globais — o peso de cerca de 10 mil baleias-azuis ou mais de 5 mil aeronaves Boeing 747-8 em carga máxima.
Esses números evidenciam a urgência de ações concretas, reforçando a importância da gestão de resíduos e do conceito de Aterro Zero, quando este deixa de ser idealização e passa a ser prática estratégica para empresas comprometidas com a transformação sustentável. Projetos ambientais bem estruturados podem gerar vantagens econômicas diretas, fomentar a inclusão social por meio da geração de empregos e impulsionar diferentes elos da economia circular, potencializando impactos ambientais positivos.
A viabilidade da gestão de resíduos não está restrita ao setor de atuação. Há casos já consolidados em diversos segmentos. No agronegócio, por exemplo, resíduos de colheitas são transformados em biogás e posteriormente em biometano, utilizado como combustível para máquinas agrícolas e veículos pesados. Esse é um exemplo direto de como um passivo ambiental pode ser convertido em fonte de energia renovável, contribuindo com a redução de emissões de gases de efeito estufa.
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Já na indústria alimentícia, sobras da produção, como bagaços de cereais, podem ser redirecionadas como ração animal, agregando valor e gerando receita adicional a partir de resíduos que antes seriam descartados. A lógica é clara: reduzir desperdícios, reaproveitar insumos e diversificar fontes de receita — tudo isso promovendo impacto socioambiental positivo.
O objetivo, para muitas empresas, é se aproximar da geração de zero resíduo. Ainda que a eliminação completa do envio de resíduos aos aterros seja desafiadora, caminhar nessa direção requer integração entre inovação, eficiência operacional e responsabilidade socioambiental. E isso inclui não apenas repensar o destino dos resíduos, mas evitar sua geração desde a origem a partir da melhoria contínua dos processos — um conceito-chave da economia circular.
Outro ponto central é a educação socioambiental. Avançar na circularidade exige conscientização da sociedade quanto à importância de ações como a separação dos recicláveis e da economia de água e energia, por exemplo. Empresas têm papel fundamental na promoção de ações de sensibilização junto a escolas, comunidades e colaboradores, orientando quanto ao descarte correto de materiais como vidro, alumínio, papel e plástico. O fortalecimento dessas práticas é essencial para sustentar a circularidade ao longo de toda a cadeia produtiva, inclusive no apoio à atuação dos catadores e cooperativas.
Assim, a economia circular, quando adotada como estratégia empresarial, agrega valor de forma estrutural ao negócio. Não se trata apenas de ganhos financeiros, mas de uma transformação sistêmica, com reflexos diretos na competitividade, reputação institucional e no legado que as empresas constroem para as próximas gerações. É a conversão concreta de um passivo socioambiental em um ativo para a organização, capaz de gerar valor compartilhado em escala.
Alaercio Nicoletti Junior
Head de Sustentabilidade e Inovação do Grupo Petrópolis, e PhD Professor da Universidade Mackenzie
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