Mais complexidade e riscos para as cervejarias artesanais

Apesar dos riscos, o mercado ainda é de grandes oportunidades principalmente
com a retomada das atividades de bares, restaurantes e o turismo

 

 

Por Carlos Donizete Parra

O mercado das cervejas artesanais passa por significativas alterações desde a pandemia do Covid. Foram quase dois anos de retração, mudanças em canais de vendas, embalagens, portfólio e tantas outras adequações para se manter na ativa. Segundo o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), o Brasil possui 1.383 empresas que comercializaram um total de 14,3 bilhões de litros no ano passado, sendo que as cervejarias artesanais respondiam, em 2020, por apenas 1% da produção nacional. A avaliação do Ministério da Agricultura é que durante a pandemia, com o fechamento de bares e restaurantes, as pequenas cervejarias foram diretamente afetadas.

A tecnologia garante maior produtividade e redução de custos nas fábricas, fatores importantes para competitividade das
cervejarias artesanais no mercado

Uma pesquisa feita pelo Sebrae junto à Receita Federal em 2018 identificou que 16% das novas cervejarias abertas no país tinham “artesanal” no registro. Esse percentual caiu em 2020 e 2021 para 12% e 9%, respectivamente, e voltou a crescer este ano com 11%. A volta da atividade econômica com a reabertura do comércio e a retomada do turismo, anima os donos de pequenos negócios do setor.

O analista de competitividade do Sebrae, Alberto Vallim avalia que houve um período de grande crescimento do volume de pequenas cervejarias até 2018. A partir de 2019, entretanto, essa velocidade diminuiu, e com a pandemia essa tendência de desaceleração foi reforçada. Nesse momento, o segmento continua crescendo, mas de forma bem mais lenta. “O que temos agora é um cenário diferente do início do boom das cervejarias artesanais. Há boas oportunidades por conta da retomada do setor de bares e restaurantes, do turismo e dos eventos e festas. Além disso, há um mercado fidelizado de consumidores que nos últimos anos conheceram as cervejas artesanais e agora priorizam o consumo de produtos de qualidade, diferenciados e feitos localmente”, avalia Alberto.

Desafios

Os desafios existem e precisam de enfrentamento para que as pequenas empresas possam competir nesse mercado. A capacitação dos gestores dessas empresas é fundamental nesse processo, incluindo conhecimentos de assuntos relacionados a rotina diária como fluxo de caixa, atividades de compra, marketing e vendas. Um controle bem apurado das contas pode garantir um fluxo de caixa mais tranquilo sem riscos de endividamento e inadimplência. Outro grande desafio desse mercado pós pandemia tem sido o abastecimento de insumos, como embalagens e matérias-primas.

Nos últimos anos, as pessoas experimentaram
as cervejas artesanais tendo contato com estilos
e sabores diferentes. Essa experiência deve marcar os novos hábitos e decisões
de compra dos tomadores de cerveja

Para as cervejarias artesanais não é diferente e, por isso, a importância de construir uma rede confiável de fornecedores que garantam a entrega dos insumos em quantidades e valores de acordo com as necessidades e porte dessas empresas. Alberto Vallim considera que o mercado está bem mais competitivo, inclusive com a entrada de grandes grupos que fizeram aquisições de cervejarias artesanais. O cenário econômico também afeta diretamente os custos das empresas, além de reduzir o poder de compra da população. Em síntese: “Esse cenário resume as perspectivas para os próximos anos: um mercado em expansão, mas com uma dose maior de complexidade e de risco”, conclui.

 

 

 

Grandes desafios existem e precisam de atenção, como a capacitação, tributação, investimento em novas tecnologias e a compra adequada de insumos e matérias-primas.
São fatores relevantes e que podem contribuir
para melhoria da qualidade, produtividade
e competitividade das empresas no mercado

Retomada gradual

A empresária Raquel Diehl é uma das sócias da cervejaria Narcose, que fica em Capão de Canoa (RS). O empreendimento foi inaugurado em 2017 pelo pai e hoje é administrado por ela e pelo irmão Daniel, que cuida da produção. Começou com cerca de cinco funcionários, em um espaço onde funcionavam juntas as áreas de produção e venda.

Raquel lembra que a cervejaria estava em pleno crescimento quando começou a pandemia. No primeiro momento, as vendas caíram e, consequentemente, o faturamento da empresa. Para tentar mudar a situação, Raquel fez um curso voltado para a transformação digital. “O Sebrae nos ajudou a criar um catálogo on-line que nós ainda não tínhamos. Além disso, tivemos uma consultoria de marketing digital voltado à conversão de vendas, que ajudou na ideia de estrutura que criamos em torno do site”, explica.

Com a reabertura do comércio, as vendas voltaram a crescer. Hoje, Raquel está otimista, apesar do momento econômico do país. Segundo a empresária, o mercado está reaquecendo aos poucos. Por isso, ela vai continuar com os investimentos para a criação de novos produtos, tocar o dia a dia, adiando, por enquanto, a aplicação de grandes recursos para aumentar a capacidade produtiva. “A criação de novos produtos e serviços é algo constante na empresa. Ano passado, nós aumentamos a nossa capacidade de produção. Vamos segurar este ano e no próximo, até para colhermos os frutos do que já foi investido”, acrescenta.

A capacitação para garantir a qualidade e padronização das cervejas artesanais

Da fazenda para a internet

Em 2014, a jornalista Patrícia Muller se juntou à professora da Universidade de Brasília (UnB) Grace Ghesti para desenvolver uma cerveja que seria comercializada exclusivamente na fazenda da família. A propriedade funciona como pousada e está localizada na Chapada dos Veadeiros, Goiás. A primeira cerveja, feita em pouca quantidade, já se mostrou um sucesso, dando início à Cervejaria São Bento.

De lá pra cá, Patrícia fez vários cursos. O primeiro foi de sommelier de cervejas no Science of Beer Institute. Em seguida, a empresária foi ao Rio de Janeiro participar de cursos técnicos e, na volta, começou a produzir cervejas de trigo.

A empresária avalia que o mercado está, aos poucos, voltando à normalidade. De olho no futuro, ela espera que o movimento retome o patamar de antes da pandemia e que haja uma retomada na procura por cervejas mais complexas, com sabores e aromas para um paladar mais educado, com mais conhecimento. “É o caso de cervejas que não tinham estilos tão conhecidos, mas que tinham o propósito de trazer o público para um mercado rico de aroma e sabor, como é o mercado de cerveja artesanal.

Tenho começado a pensar em um lançar produto com mais complexidade, tentar arriscar. Não é o meu próximo lançamento. Ainda estou esperando como o mercado vai estar”, explica.

Empresa valoriza os sabores locais

Em 2009, Normando Campos Siqueira resolveu fazer um curso de produção de cerveja e chamou o pai para acompanhá-lo. Dois anos depois, eles viajaram para a Europa para conhecer as cervejarias de diversos países e voltaram para o Brasil com a ideia de abrir uma empresa com o conceito de “cervejaria de fazenda”. Em 2014, nasceu a Uaimií. A expressão significa Nascente do Rio das Velhas, em tupi-guarani, e é uma homenagem às águas que banham os arredores da Estrada Real, onde fica a fazenda da família. A cervejaria começou com a fabricação de cinco rótulos.

O consumo local ganha força no Brasil e pode
contribuir para as vendas das cervejas artesanais

“Cada uma com o nome de personagens da história da região”, conta Normando. A escolha do empresário para ganhar mercado foi trabalhar o fortalecimento da marca. “Nós apostamos no nosso terroir (a fazenda e o ecossistema local) para vender uma experiência dentro da cervejaria. Além disso, temos energia solar, reaproveitamento da água e realizamos a transformação do bagaço em insumos e adubo para a própria fazenda”, relata. De lá para cá, o número de rótulos fabricados aumentou. A cervejaria lançou duas cervejas com nomes de flores e mais três com nomes de animais que vivem na região da Bacia das Velhas. Atualmente, a produção é de 15 mil litros por mês, que são destinados predominantemente ao mercado mineiro.

Segundo Normando, a situação das cervejarias em geral é muito emblemática por causa da forte tributação. “São muitos tributos que não deixam a gente crescer. As novas cervejarias pressionam e somos esmagados pelas grandes”, avalia. O empresário conta que as cervejarias de Minas Gerais se uniram e criaram uma associação: “Essa união ajudou a melhorar as condições do mercado”, finaliza o empresário.

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