Cientistas da USP desenvolvem cerveja probiótica

Bebida é feita à base de cajá, fruta tradicional na região norte do país, e de um probiótico com potencial efeito benéfico para os sistemas imune e digestivo

O consumo moderado de cerveja está associado ao aumento de micro-organismos benéficos na microbiota intestinal e consequentemente à diminuição de riscos de problemas cardíacos e diabetes, segundo um estudo recente da Universidade NOVA, de Portugal. Agora, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center – FoRC) querem otimizar esses benefícios. Com o cajá, um fruto também conhecido como taperebá, muito popular na região Norte do país, os cientistas desenvolveram uma cerveja artesanal potencialmente probiótica.

O que são probióticos?

Probióticos são micro-organismos vivos, geralmente bactérias, muitas vezes adicionados em alimentos para se alojarem principalmente no intestino e assim produzirem efeitos positivos à saúde. Neste caso, conforme estudo publicado na revista científica Foods, foi usada a bactéria Lacticaseibacillus paracasei F19. Entre outros benefícios reconhecidos, essa bactéria traz ganhos para a digestão de alimentos e a absorção de nutrientes — que podem ter efeito contra a obesidade segundo estudos com modelos animais — e no fortalecimento do sistema imune.

Segundo Susana Saad, coordenadora da pesquisa, professora da FCF-USP e integrante do FoRC, na pesquisa foram feitas quatro formulações da cerveja, todas com os ingredientes básico (água, malte, lúpulo e levedura). Em uma versão foram adicionados o probiótico e o suco do cajá; em outra o probiótico e o bagaço da fruta; uma terceira o probiótico com o suco e o bagaço combinados; e uma quarta só o probiótico — o grupo controle.

Categoria Sour

Além de análises de compostos voláteis, como álcoois, ésteres e terpenos, que conferem aroma e sabores, as formulações passaram por avaliações sensoriais com 117 voluntários. Sem saber qual das quatro estavam provando, os voluntários deveriam dizer o quanto gostaram da bebida (numa escala de um a nove) e qual a probabilidade de comprarem a cerveja se essa estivesse à venda no mercado (numa escala de um a cinco). Também deveriam descrever sensações relativas ao sabor.

“Três delas obtiveram nota seis de aprovação e três de consumo. Se destacou a formulação feita com o suco, que obteve notas sete e quatro, respectivamente. No geral, eles aprovaram a acidez, que é um diferencial potencializado pelo probiótico”, conta Ana Beatriz Praia, mestre em Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e primeira autora do estudo.

“A fruta e seu subproduto foram utilizados exclusivamente com o intuito de dar sabor à cerveja. No geral, o resultado foi uma cerveja leve, refrescante e ácida, o que a coloca na categoria de cerveja Sour. Boa para o clima brasileiro, especialmente no verão”, acrescenta Marcos Herkenhoff, pós-doutorando em genética de micro-organismos cervejeiros na FCF-USP e coautor do estudo.

 

Combo de benefícios

Em relação à quantidade de bactérias Lacticaseibacillus paracasei F19, todas as formulações conseguiram manter uma quantidade de micro-organismos entre 22% e 40% menor do que o produzido pelo grupo controle (ingredientes básicos + probiótico). “Isso mostra que há uma chance grande dessas cervejas manifestarem os efeitos do probiótico esperados. Se os níveis de bactérias são suficientes para isso, precisaremos verificar em estudos com animais e clínicos”, explica Herkenhoff.

Segundo ele, além do potencial probiótico, as cervejas obtidas na pesquisa têm menor valor energético por conta da fermentação alcoólica, produzida pela sua levedura, e a fermentação lática, gerada pelo probiótico. Com isso, são dois micro-organismos consumindo carboidrato, o que não ocorre nas cervejas convencionais. “Por haver duas fermentações, o seu teor alcoólico também é menor: fica entre 2,6% e 3,4%, enquanto o teor médio de uma cerveja convencional varia entre 4,8% e 5,2%.”

O desenvolvimento de uma cerveja à base do bagaço do cajá também poderia beneficiar a cadeia produtiva do fruto. O cajá é produzido principalmente na agricultura familiar e é muito utilizado no norte do país em sucos, sorvetes e doces em geral. Geralmente aproveita-se o suco e se descarta o bagaço. “Essa parte do estudo foi importante porque há poucas pesquisas que indicam formas de aproveitar esse subproduto. Esse conhecimento poderá, no futuro, agregar maior valor ao fruto e fortalecer a cadeia de produção”, afirma Praia.

A procura por cervejas diferenciadas é grande. “Existe um mercado promissor de cervejas não convencionais que está se estabelecendo. Além das cervejas Sour, hoje já encontramos cervejas sem glúten, com fermentação em barril, entre outras variedades”, diz Herkenhoff. “Se os benefícios probióticos da cerveja à base de cajá forem confirmados, isso certamente seria um diferencial de produto”, destaca Herkenhoff.

Pesquisas correlacionadas

O grupo ainda estuda outras inovações no mercado das cervejas. Uma delas é o desenvolvimento de novas leveduras não alcoólicas, utilizadas como forma de elaborar cervejas sem álcool que tenham menos diferenças no sabor em relação à cerveja convencional. “As grandes cervejarias já contam com leveduras não alcoólicas, no entanto, boa parte delas precisam ser aprimoradas quanto ao sabor. Além disso, ainda não há registros de cerveja probiótica sem álcool e o desenvolvimento dessa levedura é fundamental para isso”.

Outra inovação é o desenvolvimento de probióticos que possam ser aplicados em cervejas convencionais. “Além de conferir ganhos à saúde, essa é uma estratégia que permitirá modular os sabores de uma cerveja, conforme já validamos em estudos anteriores”.

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