Cada vez mais profissional

Números do MAPA indicam que até junho de 2017 eram 610 cervejarias nesta categoria no Brasil.
Só no primeiro semestre,91 novos registros foram concedidos

| THAIS MARTINS |

Na última década, a produção de cerveja no Brasil cresceu 64%, saltando de 8,2 bilhões para 13,4 bilhões de litros anuais, segundo dados do Sistema de Controle de Produção de Bebidas da Receita Federal (Sicobe). É um mercado em expansão: o Brasil é o terceiro maior produtor do mundo, atrás de Estados Unidos e China, e supera a Rússia e a Alemanha. Mas, enquanto a classe C opta pelas grandes marcas, as classes A e B buscam produtos que apresentem diferenciação, encontrado nas cervejas artesanais.

De acordo com a última pesquisa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), até junho de 2017 eram 610 cervejarias nesta categoria no Brasil responsáveis pela produção de 7,5 mil produtos diferentes. Só no primeiro semestre, 91 novos registros foram concedidos. “A partir de 2015, o segmento começou a tomar corpo. Muita coisa mudou: novas tecnologias, maior oferta de insumos, demanda crescente por consumidores ávidos por novos sabores. Hoje, vejo basicamente três tipos de público: quem não conhece cervejas artesanais, experimentou uma Weiss e está ávido para descobrir o que mais existe neste universo. Aquele que se encantou pelo lúpulo e pelo álcool e só quer beber IPAs, quanto mais alcóolica e amarga, melhor. E quem está em busca de variedades de insumos, principalmente lúpulos e leveduras, novas possibilidades de embalagens como latas e Growlers”, diz o professor da Bräu Akademie e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Luiz Antonio Caropreso.

Rompendo barreiras O Consultor de Marketing, Gerente Comercial e Trade Marketing da importadora/distribuidora Get Trade/Get – Cervejas Especiais, Riccelli Adriel, afirma que o segmento de cervejas artesanais começou em meados de 1995 com o surgimento de duas companhias renomadas: a Colorado/SP e a Dado Bier/SC. “Em 2002, surgiu a Eisenbahn que, no futuro, seria a primeira a ser adquirida por um grande grupo. Porém, na prática, só observamos esse movimento tomar força real em 2008, com o surgimento de estabelecimentos como o Empório dos Pinheiros (EAP – a grande meca cervejeira paulistana), além da primeira edição do Festival Brasileiro de Cervejas, em Blumenau/SC. Além disso, tivemos uma enxurrada de cervejas importadas chegando ao País nessa época e tomando inicialmente gôndolas de ‘grande varejo premium’ e empórios tornando mais acessível este tipo de produto.”

“Na crise, o brasileiro deixa de fazer diversas outras atividades e consumir alguns produtos, mas não deixa de tomar sua cerveja”, Riccelli Adriel da Get Cervejas Especiais – Crédito: Edu Gomes Beer Clicks

Riccelli, que também é docente convidado do Curso de Formação Profissional em Sommelier de Cervejas do Senac, complementa que inicialmente o maior desafio era romper a barreira do “é amarga”, “é cara”, “nunca ouvi falar”, “o que é lúpulo?”, “cerveja com sobremesa?”. Muitas dúvidas, pouco conhecimento, a questão do alto preço, além de assimilar marcas desconhecidas a um costume de ‘tomar cerveja’, que sempre foi muito presente no hábito do brasileiro. “O grande segredo foi educar, difundir, criar cursos e experiências. Antes de brigar por preço ou no PDV, era necessário interagir e conversar com esse público e, com isso feito, tivemos essa grande propagação.”

Rubens Bósio, sócio e cervejeiro da Aless Blau, é categórico ao afirmar que esse cenário mudou. “A cerveja está presente não apenas em festas populares ou ocasiões mais descontraídas, mas também em eventos que envolvem um nível de sofisticação maior. As cervejas artesanais conquistaram o campo do conhecimento, uma boa cervejaria é aquela que tem inteligência para perceber os hábitos do seu público e que desenvolve produtos para atender anseios, além de surpreender com novos itens, visual e sugestões de consumo.”

Questão de sobrevivência Nada adianta contar com uma grande fábrica, estrutura, profissionais, equipe e distribuição sem acompanhar as demandas que o consumidor está procurando beber. Para isso, Riccelli é categórico: muita pesquisa e estudo. “O Brasil está cada vez mais investindo em processos de fabricação. Estamos vivendo uma ‘febre da lata´, o consumidor já compreendeu que este tipo de material armazena e mantém a qualidade da cerveja melhor que a tradicional garrafa. Vejo muitas cervejarias buscando esse formato, porém dependem da fábrica, pois muitas utilizam-se da estratégia ‘cigana’ de lançar seus produtos por outras plantas. Este maquinário ainda está monopolizado, com alto custo. Alguns ‘Beer Pubs’ hoje possuem o Crowler, uma máquina que envasa o chope servido no local em latas geralmente de 1L para o cliente consumir em casa no máximo em sete dias. Estas máquinas estão cada vez mais presentes, portanto, há a necessidade de envasadoras para este fim.”

A formação de profissionais também é o ponto alto no discurso do sócio da Aless Blau. “Não haviam instituições que oferecessem qualquer tipo de formação para produção de cerveja. Desta forma, ou se buscava alguém já atuante na área (que era raro) ou se investia alto na capacitação. O Brasil já tem instituições que formam regularmente cervejeiros, sommeliers, engenheiros de produção, entre outros. E isto é fundamental para criar estratégias para ampliar o mercado consumidor, fomentando a mudança de hábitos, uma boa comunicação no trato da marca e no alinhamento de valores com o público-alvo.”

Crise? “Hoje, o segmento super premium, que se enquadra as cervejas artesanais, tem uma representatividade de cerca de 1,5% do mercado nacional. Esse movimento nos Estados Unidos hoje representa 19%, sendo que começou na década de 80. Por mais que tenhamos crescido, e seguimos nessa batida, precisamos de uma união do setor, uma concorrência leal, uma cadeia de insumos própria incluindo a produção de lúpulo (algo utópico que vem andando a passos lentos devido ao nosso clima) e, principalmente, uma configuração tributária menos complexa, permitindo maiores avanços para fabricantes, distribuidores, importadores e, consequentemente, compradores”, reflete o Consultor de Marketing da Get Trade/Get.

Para Riccelli, a crise pode até ter diminuído o consumo da bebida, porém estamos em um grande momento de expansão. “Acredito que o mercado de cervejas (me recuso a chamar somente o setor de ‘artesanal’, pois hoje os players são os mesmos) já deixou de ser uma ‘bolha’. Em 2016, por exemplo, bebeu-se mais em casa. Já no ano passado, foi o contrário. O fato é que o brasileiro deixa de fazer diversas outras atividades e consumir outros produtos, mas não deixa de tomar a sua cerveja. É uma questão cultural, está associado ao hábito de se alimentar bem, de socializar com amigos e do seu momento de descanso. Portanto, independente da crise, vejo um mercado sólido, com consumidores exigentes, buscando produtos diferenciados.”

“O desafio para o futuro é baixar a carga tributária para tornar os produtos mais acessíveis e, desta forma conseguir um crescimento sustentável”, Luiz Antonio Caropreso

De olho no futuro Na visão de Caropreso, o desafio para o futuro é baixar a carga tributária para tornar os produtos mais acessíveis e, desta forma, conseguir um crescimento sustentável. Já Riccelli complementa o fator imposto / economia: “É surreal a carga tributária dentro deste mercado, sem contar as imposições relacionadas ao produto importado, como câmbio e regulamentação, que diferem de outros países dificultando a chegada de produtos. Além disso, se diferenciar em meio a tanta concorrência é o caminho. A cada dia surgem novos profissionais, novas cervejarias, novos rótulos e estilos. O consumidor surfa em ondas e quem não mudar, inovar, ficará para trás.”

Outro ponto que o Consultor de Marketing da Get Trade/Get aponta é a necessidade do produto cada vez mais fresco. “O cliente deste mercado quer tomar a bebida mais próxima do tanque de fábrica. Então, cadeia refrigerada, distribuição adequada para essa realidade, prazos de validades reduzidos, atenção na fabricação, envase em lata que garante mais frescor, até mesmo construção de mais ‘Beer Pubs’ produzindo sua própria cerveja, serão fatores frequentes, apesar de conter um ‘revés’ que vai impactar sem dúvida no preço, devido a necessidade de uma operação mais dedicada. Talvez a grande mudança seja exatamente esta. O consumidor hoje compra uma lata de 470ml de uma cerveja nacional de qualidade pelo valor médio de R$ 38 a R$ 43, algo que nos primórdios seria basicamente impossível pela falta de conhecimento, valor agregado e, principalmente, menor exigência sobre a qualidade e fabricante.”

“Estamos vivendo um momento de mudança de hábitos, as pessoas estão procurando mais qualidade do que quantidade. Presenciamos a onda das lupuladas, claramente influenciada pela escola americana. Já vivemos o momento em que a cerveja de trigo foi destaque. Atualmente há uma diversificação maior na preferência nacional, mas não dá para ignorar o aparecimento forte da adesão ao estilo ‘catharina sour’, uma cerveja com característica azeda e adição de frutas, principalmente na região sul do País”, acredita Bósio.

“Introduzir o bebedor de cervejas mainstream ao universo das cervejas artesanais ainda é um grande desafio”, Dante Cassaroti, da Van Been

Ainda falando de tendência, o sócio da Aless Blau enfatiza a evolução tecnológica, desde a melhoria genética da cevada e lúpulo, até os mais avançados equipamentos de produção, com altos níveis de automatização e monitoramento remoto. “O objetivo é conseguir não somente reproduzir com fidelidade a receita do cervejeiro, mas também obter uma padronização entre os lotes. Desta forma, o consumidor não terá surpresas negativas na hora de repetir uma experiência com o produto que já conhece.”

O proprietário da cervejaria Van Been, Dante Cassarotti, vai além dos problemas como a busca por insumos de qualidade, taxação altíssima dos impostos e ausência de profissionais de qualidade. “A questão está também na importação de maquinário que automatize as linhas, tanto para produção quanto para envase. Hoje, temos cervejarias que são totalmente automatizadas, operadas por botões, e contam com câmaras frias para armazenagem na temperatura ideal. Não tínhamos isso três anos atrás”. Para o empresário, outro desafio é introduzir os bebedores de cervejas mainstream. “Nada contra as bebidas mais leves, feitas com insumos baratos. Mas, o que queremos mostrar na nossa empresa é o grande prazer em beber algo que tem sabor, aroma.”

“Os consumidores estão procurando marcas que tenham conexão com suas vidas, que tragam muito mais do que um líquido. Querem beber história, cultura”, Scott Ashby, diretor da Ashby

Na visão de Scott Ashby, diretor da Ashby, o caminho é ter muitas cervejarias em cada cidade, tipo pub local. “Os consumidores estão procurando produtos diferentes e de fabricação especial, e querem marcas que tenham uma conexão com suas vidas, que tragam muito mais do que um líquido. Eles querem beber história, cultura. Uma das características do mercado norte-americano é que 40% das fábricas comercializam suas bebidas no próprio local em que são produzidas. Isso pode e vai acontecer no Brasil. É preciso abrir canais para conversar diretamente com o público final. Sempre existe uma preocupação com a forma de venda. Tivemos uma experiência amarga com as grandes redes de supermercados. Além disso, outra tendência é o produto em lata, nosso grande investimento além da cerveja em garrafa de vidro e barris que que já trabalhamos, normalmente”, finaliza.

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