Não contém glúten

OLYMPUS DIGITAL CAMERAUma necessidade para as pessoas intolerantes ao glúten, esse produto,torna-se mais uma opção para os fabricantes de cerveja

Novembro de 2013

Por Sylvie Van Zandycke
Tradução: Marlos Fernandes

Doença celíaca (DC) é uma condição autoimune que se caracteriza principalmente pela destruição da vilosidade do intestino delgado reduzindo a absorção de nutrientes e causando vários sintomas desde diarreia até dores de cabeça , incluindo fadiga e sintomas neurológicos. Mais importante DC tem sido associada com aumento das taxas de câncer intestinal e outras doenças malignas. Acredita-se que 1% do Mundo Ocidental sofre de DC embora uma grande parte da população permaneça não diagnosticada causando o que é chamado de “icebergue celíaco”. O diagnóstico é possível através de exames de sangue visando anticorpos específicos e biópsias à procura de danos às vilosidades intestinais.
A presença dos genes DQ2/DQ8 indica uma susceptibilidade à doença, mas ela pode não se desenvolver em todos os indivíduos que carregam esses genes. Ausência desses genes no entanto exclui o desenvolvimento da doença em conjunto. DC é muitas vezes desencadeada por um trauma físico ou psicológico. Sensibilidade ao glúten não celíaca é em contraste uma desordem não auto-imune e não alérgica. Os sintomas são semelhantes à DC, mas nunca representam risco de vida. Tem sido definida como uma ou mais de uma variedade de manifestação imunológica, morfológica ou sintomática, que também pode ser compartilhada com doença celíaca e síndrome do cólon irritável.
Há 10% de pessoas relatadas no Mundo Ocidental afetadas como provável, assim como muitos indivíduos não diagnosticados. Pessoas intolerantes não podem ingerir qualquer glúten e, portanto, seguem uma dieta muito rigorosa; não há cura para a DC e então isso significa uma dieta sem glúten ao longo da vida para as pessoas afetadas.

CERVEJA COPOProteínas do glúten nos grãos e cerveja

O glúten é uma proteína de armazenagem encontrada no trigo, cevada e centeio , e é composto de duas frações: prolaminas e gluteninas.
A fração de prolamina (denominado gliadina no trigo, hordeína na cevada e secalina no centeio ) é composta principalmente por aminoácidos prolina e glutamina e é responsável por causar reações indesejáveis nas pessoas com intolerância ao glúten.
Peptídeos tóxicos do glúten não são suficientemente degradados pelas enzimas gastrointestinais (proteases) e deixa epítopos intactos; esses epítopos imunotóxicos se ligam a células específicas celíacas (antígeno) para estimular as células T e criar os sintomas descritos acima. A cerveja é composta principalmente de malte de cevada, portanto, contém glúten e não é adequada para indivíduos com intolerância; no entanto , observou-se que uma grande maioria das proteínas é eliminada durante o processo de produção de cerveja na mosturação (especialmente), fervura, fermentação e maturação devido ação de enzimas proteolíticas e precipitação.
Adição de auxiliares de processo também pode contribuir ainda mais para a redução dos níveis de proteínas de glúten para atingir níveis indetectáveis quando medido usando testes imunológicos (Guerdrum & Bamforth 2012).

Medição de glúten na cerveja

Medir glúten com precisão é fundamental para fabricar um produto seguro para as pessoas intolerantes ao glúten. A sensibilidade ao glúten difere consideravelmente entre as pessoas que têm problemas com a substância. Mesmo entre as pessoas diagnosticadas com DC, os danos podem ocorrer em níveis tão baixos quanto 10 mg por dia de glúten; no entanto, a maioria dos danos ocorre a 50mg por dia.
A ingestão de glúten máxima de 10 mg por dia é recomendada para evitar efeitos negativos. Como tal, o Codex Alimentarius declara que se o glúten não está presente a mais do que 20 ppm, a exposição de um produto vai se manter inferior a 10 mg por dia (Codex Alimentarius Commission 2008). O Codex Alimentarius também se refere ao “ensaio de imunoadsorção ligado a enzima” (ELISA) Sandwich R5 para medir o glúten em alimentos; o anticorpo monoclonal R5 reconhece QQPFP (glutamina-glutamina -prolina-fenilalanina -prolina) entre outros; que é uma sequência repetitiva comum presente em todas as prolaminas e epítopos tóxicos. No entanto, este teste não é adequado para todos os tipos de alimentos e como exemplo podemos citar alimentos contendo glúten hidrolisado, como cerveja, extrato de malte, fermento caseiro e amido.CERVEJA VARIOS COPOS

O teste ELISA tem sido desenvolvido ao longo dos últimos anos para medir com precisão o glúten na cerveja onde ele é parcialmente hidrolisado e onde pequenos fragmentos de hordeínas devem ser detectados, se contiverem epítopos tóxicos; o teste ELISA recomendado para a cerveja é o “R5 competitive” que pode reconhecer fragmentos tão pequenos quanto um epítopo.
A segunda geração (e aperfeiçoada) do padrão ELISA consiste numa digestão péptica/tríptica de trigo, centeio e cevada; o limite de detecção e de quantificação foram respectivamente de 1,36 e 5,0ppm (Haas-Lauterbach et al, 2012). É uma prática padrão multiplicar o nível de prolamina por um fator 2 para obter a concentração de glúten na medição da gliadina do trigo; no entanto, para produtos de cevada tais como cerveja , estima-se que 97% dos epítopos tóxicos estão presentes na fração de hordeína do malte.Assim, quando se dobra faz com que se sobrestime amplamente o teor de glúten, tendo, assim, o teste uma margem extra de segurança para o produto de cevada.
O “R5 competitive ELISA” foi testado em duas bem sucedidas colaborações organizadas pela AACC International (American Association of Cereals Chemists) e pela ASBC (American Society of Brewing Chemists). Outros métodos, tais como espectrometria de massa, HPLC ou PCR têm atraído muita atenção; no entanto, a viabilidade de utilização de tais métodos em uma base de rotina não foi ainda estabelecida.

Uma enzima incomparável

Uma prolil (ou prolina-específica – nome comercial Brewers ClarexTM produzida pela DSM) endoprotease de Aspergillus niger é amplamente utilizada para estabilização de cerveja (Craig & van Roon, 2007).
A enzima hidrolisa proteínas sensíveis à turbidez no ponto da prolina, tornando impossível para aquelas proteínas se ligarem a polifenóis e criarem turbidez. Com uma pequena adição da enzima no início da fermentação (Figura 1), a cerveja pode ser estabilizada por um período de até um ano, sem qualquer efeito sobre a espuma (que tem pouca prolina) ou sabor.

Figura 1

As proteínas sensíveis à turbidez estão contidas na fração de hordeína do grão da cevada, assim a enzima tem essencialmente uma aplicação dupla ao quebrar os epítopos tóxicos do glúten (Figura 2), tornando-os não reativos para as células T (Stepniak et al, 2006). Guerdrum e Bamforth (2012) estudaram a ação desta enzima, quando utilizada no processo de fabricação de cerveja (em fermentação ou maturação) e mediram os níveis de glúten nas cervejas resultantes que estavam bem abaixo do nível de detecção quando medido com o teste “R5 competitive ELISA”.Figura1

Tabela 1Níveis de glúten em cervejas comerciais

Níveis de glúten foram medidos em 37 cervejas comercialmente disponíveis (Tabela 1 e 2). Quinze delas revelaram níveis que as qualificam como sem glúten de acordo com o Codex Alimentarius e contendo menos de 20 ppm de glúten (em laranja na tabela 1 e 2). Entre essas, 7 foram tratadas com prolil endopeptidase durante o processo de fabricação de cerveja, quer para a estabilização da cerveja ou propositadamente para desintoxicar glúten – todas resultaram glúten não detectável (menos de 10 ppm) (Tabela 2).

A dosagem da enzima é uma particularidade de cada produto e de cada cervejaria, e foi optimizada para tanto alcançar um prazo de validade específico e/ou níveis indetectáveis de glúten. As cervejas “light American lagers” também resultaram abaixo de 10 ppm de glúten (Tabela 1); está bem documentado que as cervejas “light American lagers” contêm até 40% de adjuntos e então a concentração de malte (e glúten) é reduzida e, adicionalmente, o processo pode ser tal que a maioria das proteínas é eliminada. Um par de “American lagers” (D, E), também resultou abaixo de 20ppm de glúten; elas eram ambas de companhias cervejeiras globais enquanto que a cerveja artesanal resultou acima de 20ppm de glúten (F) (Tabela 1), indicando possivelmente o uso de adjuntos nas marcas globais.

Tabela 2Todas as cervejas que resultaram acima de 20ppm de glúten originaram de cervejarias artesanais dos EUA; a Hefeweizen apresentou o maior teor de glúten devido à grande quantidade de trigo presente na receita (Tabela 1). A cerveja “Triple” contém uma percentagem considerável de trigo e também, por consequência, níveis mais elevados de glúten. As “Brown Ales” (M, O, N) também parecem estar na ponta superior, possivelmente devido ao tipo de malte utilizado; no entanto uma “Brown Ale” (L) resultou teor de glúten muito menor, indicando que mais proteínas foram eliminadas durante o processo de produção em uma cervejaria particular.
Assim, com exceção de cervejas que contêm trigo, em geral, pode-se observar que o teor de glúten na cerveja é provavelmente mais dependente do processo de fabricação de cerveja praticado numa cervejaria específica do que do estilo de cerveja (Tabela 3).Tabela 3

Conclusões

A maioria das cervejas rotuladas como sem glúten são feitas com grãos que não contêm glúten (milho, sorgo, trigo sarraceno, arroz …); essas cervejas têm um perfil de sabor muito diferente do que cervejas de malte tradicionais e eram a única opção para as pessoas com intolerância ao glúten. Com uma dosagem adequada de prolil endoprotease (Brewers ClarexTM) no início da fermentação, as proteínas de glúten são quebradas e nenhum epítopo tóxico é deixado intacto na cerveja e, por consequência, nenhuma reação não desejada ocorre.
A disponibilidade de cervejas sem glúten feita com cevada beneficiaria os cervejeiros que desejam entrar neste nicho de mercado que já está bem representado na Europa; a população intolerante ao glúten, bem como um número crescente da população que evita o glúten por escolha pessoal e está procurando uma variedade de produtos saborosos incluindo os estilos mais tradicionais de cerveja fabricados com malte de cevada.

Agradecimentos

O autor agradece a DSM pela autorização para publicar dos dados; Christis Chantal pela sua experiência com os testes ELISA e Joe Casey da Craft Brew Alliance pela competente discussão.

Referências bibliográficas

Craig & van Roon Brew Distill Int 3: 35-38, 2007.
Guerdrum & Bamforth J Am Soc Brew Chem 70: 35-38, 2012.
Haas-Lauterbach et al. J AOAC I 95: 377-381, 2012.
Stepniak et al. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 291: 621-629, 2006.

Sylvie Van Zandycke
Tradução: Marlos Fernandes

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