Consumo de cerveja já não é mais o mesmo

Muda tudo nos próximos anos, ou melhor já está mudando desde hábitos de consumo
até plataformas de comercialização e de experiência dos consumidores.
Como adequar nossas fábricas para tamanha transformação? Como treinar tanta gente
em tão pouco tempo? Não vai ser fácil responder a todas essas perguntas

| CARLOS DONIZETE PARRA |

 

O consumo de cerveja no Brasil já não é mais o mesmo. O consumidor está optando por cervejas especiais com sabores e estilos diferenciados em detrimento às cervejas tradicionais existentes no mercado. É claro que esse movimento ainda vai se arrastar por muitos anos, mas já é perceptível e atinge em cheio todas as indústrias de bebidas, sejam elas pequenas ou grandes. Várias ondas vão surgindo, cervejas novas vão se firmando no mercado e outras desaparecem da mesma forma como chegaram: num piscar de olhos. As cervejas puro malte conquistam os consumidores que estão naquela faixa de entrantes, ainda não sabem muito bem o que é puro malte e querem experimentar um novo sabor. Se gostarem deixam a marca tradicional, nossas conhecidas American lagers que reinaram absolutas no Brasil por mais de uma centena de anos. Mas, o consumidor de cervejas especiais já não se contenta só com a puro malte. Em uma festa ou degustação regada a cervejas especiais a puro malte fica por último.

Mais qualidade Isso tudo porque o consumidor brasileiro de cerveja está mais sofisticado. De fato, ele está priorizando a qualidade em detrimento da quantidade. Uma nova pesquisa divulgada pela Mintel revela que mais da metade, 57% deles, afirma preferir beber pequenas quantidades de cerveja cara, em vez de grandes quantidades de cerveja de menor custo. Esse comportamento é mais perceptível entre os consumidores de maior poder aquisitivo. No grupo socioeconômico AB mais de dois terços dos consumidores, 68%, preferem priorizar a qualidade em comparação com 52% dos consumidores das classes C/D.

A pesquisa também revela que os homens são mais propensos do que as mulheres a preferir cervejas nacionais: 47% contra 41%. Por outro lado, em relação às marcas internacionais, as preferências são quase iguais: 26% para homens e 23% para mulheres. Além disso, quando se trata de motivações para experimentar novos tipos de cerveja, a pesquisa da Mintel aponta que dois quintos, 42%, dos consumidores mencionaram “um novo sabor/sabor inovador (por exemplo, de frutas, mel)”. Essa razão é mais evidente entre aqueles entre 18 e 24 anos, sendo citada por mais da metade, 53%, deles.

“A nossa pesquisa indica que os consumidores, principalmente os mais jovens, são atraídos por sabores novos e interessantes ao provar novos tipos de cerveja. As marcas podem, portanto, investir em sabores inovadores e exóticos para atrair esse público por meio da curiosidade. Já em relação ao fato que as preferências dos consumidores estão mudando de grandes quantidades para quantidades menores de mais qualidade, investir em embalagens menores para produtos premium pode ser uma oportunidade para atrair as classes mais altas. Apesar de várias marcas nacionais já terem lançado versões menores de seus produtos, as cervejas artesanais e de trigo ainda não aproveitaram essa oportunidade. E como nossa pesquisa mostra que não há uma grande diferença de preferência entre homens e mulheres em relação às marcas internacionais, elas poderiam ter mais sucesso em atrair o público feminino. As marcas internacionais poderiam, por exemplo, lançar edições limitadas especiais voltadas especificamente para mulheres”, sugere Ana Paula Gilsogamo, especialista em Alimentos e Bebidas, da Mintel.

Ainda com uma economia instável, o mercado brasileiro de cervejas apresenta um pequeno sinal de recuperação, com a Mintel prevendo um crescimento de 1% em volume em 2018. Os brasileiros compraram 10,3 bilhões de litros de cerveja no ano passado e para 2018 está prevista uma quantidade de 10,4 bilhões de litros. No entanto, influenciado pelas incertezas políticas e econômicas do País, além de preocupações dos consumidores com a saúde, o mercado não deve se expandir nos próximos anos.

Em relação ao valor de mercado, a Mintel estima que em 2018 ele crescerá 3,3% em relação a 2017. No ano passado, o mercado brasileiro valia R$ 79,8 bilhões e está previsto que suba para R$ 82,4 bilhões até o final deste ano, registrando um crescimento de 3,3%.

“O consumo de cerveja está mudando no Brasil. Os consumidores têm favorecido produtos de mais qualidade e que são menos prejudiciais à saúde, o que deve continuar afetando o mercado, especialmente o crescimento em volume. Já o crescimento em valor pode ser atribuído ao fato de que os consumidores demonstram preferência em beber pequenas quantidades de cerveja cara em vez de grandes quantidades de cerveja barata”, explica Ana Paula.

A pesquisa da Mintel também revela que os consumidores tendem relacionar cervejas artesanais à qualidade dos ingredientes e a sabores inovadores. Quando perguntados sobre quais fatores definem uma cerveja artesanal, quase metade dos consumidores, 45%, respondeu “ingredientes de alta qualidade” e 43% mencionaram “sabores únicos/inovadores” e 34% citaram “ingredientes/métodos de fermentação tradicional”. Apesar de cerveja artesanal estar associada a um menor volume de produção anual e ausência, ou pequena participação, de grandes empresas e indústrias no controle de sua produção, “ser uma empresa independente” é citada por pouco mais de um quinto, 23%, dos consumidores.

A pesquisa também abordou a questão das cervejas artesanais serem adquiridas por empresas maiores. De acordo com o levantamento da Mintel, 40% dos consumidores concordam com a afirmação: “Quando uma marca artesanal/pequena cervejaria é comprada por uma grande empresa, a qualidade da cerveja diminui”, enquanto 38% concordam com,“ pequenas cervejarias independentes produzem cerveja de melhor qualidade do que as grandes empresas ”.

“As marcas precisam criar estratégias para mostrar que a aquisição de uma cerveja artesanal por uma grande empresa não vai prejudicar sua qualidade. Aliás, a comunicação da manutenção da qualidade, especialmente dos ingredientes usados, é essencial, pois a percepção do consumidor brasileiro em relação às cervejas artesanais está mais ligada à qualidade dos ingredientes utilizados do que ao tamanho das marcas ou aos métodos de fermentação”, conclui Ana Paula.

Aumenta o consumo nos lares Alcançando 63,4% dos domicílios brasileiros atualmente, a cerveja vem ampliando sua presença: no ano passado, o índice chegava a 62,7%, enquanto que em 2016 atingia 62,3%. Os dados, apurados pela Kantar Worldpanel, referem-se aos 12 meses terminados em setembro e revelam que mais de 500 mil lares passaram a consumir a categoria no período. O volume levado para casa também registrou alta: neste ano foram 4,5 litros, versus 4,2 e 4,46, respectivamente, em 2016 e 2017. O desembolso médio com o produto subiu de R$ 286, há dois anos, para R$ 342, em 2018. O bom desempenho da bebida dentro dos lares, no entanto, não impede que seja longe de casa onde ocorra a maior parte do consumo: 64% do volume é consumido fora do lar.

No out of home, a categoria cresceu 9,4% em valor nos 12 meses terminados em julho em comparação com o mesmo período do ano passado, sendo que o que mais pesa na escolha do produto é a busca por sabor (62%). De acordo com o estudo, 85% do consumo de cerveja dentro de casa ocorre na refeição principal, sendo que em 22% delas é harmonizado com churrasco (região metropolitana de São Paulo, nos 12 meses terminados em julho deste ano).

Quando se analisa os Millennials, o comportamento em relação às bebidas muda se a geração tem ou não filhos. Pais de crianças entre 0 e 2 anos gastam 54,6% com bebidas lácteas e 10,1% com cerveja, já os que não têm herdeiros empregam 35% com laticínios e 22% com a bebida.

Desafios Os desafios são grandes para grandes e pequenos fabricantes, cada um da sua forma terá que descobrir os melhores caminhos para o sucesso no mercado.

A sociedade vem passando por mudanças incríveis e o consumidor se adapta a elas e “cobra” agilidade na entrega de produtos de acordo com essa nova demanda.

Transformação digital, indústria 4.0 e os novos negócios que surgem a partir daí alteraram comportamentos de consumo e as necessidades das pessoas. Os hábitos já não são mais os mesmos e a indústria precisa dar essa resposta. Nesse contexto é importante estar preparado para utilizar as novas tecnologias como meio para atingir os objetivos dessa transformação que estamos vivenciando, seja ela digital, organizacional ou social.

As indústrias brasileiras ainda estão no começo desse processo, mesmo as maiores. Mas o consumidor deseja as respostas mais rápido, quem sair na frente leva esse consumidor.

O mercado cervejeiro, por exemplo, passa por várias transformações exigindo investimentos em diversos recursos, como: tecnologia, processos, gente, capacitação, logística, embalagem, entre outros.

As cervejas especiais conquistaram um espaço no mercado e a tendência é de que continuem crescendo muito mais que as mainstream nos próximos anos. As indústrias terão que adequar suas instalações para entregar lotes menores, é o conceito de produtividade sob demanda. Hoje não é mais possível lançar um produto, colocar na prateleira e pensar que aquilo vai vender como pão quente na padaria. O consumidor dita as regras. É preciso ouvir e entender, e mais adiante ser capaz de entregar o produto de acordo com essa solicitação. Isso vale para qualquer empresa, de qualquer tamanho. No caso das especias, as cervejarias estão disputando o mesmo mercado, portanto todas têm que se adaptar.

Em recente palestra apresentada no Beverage Revolution Day, Rubens Deeke, gerente executivo da Bierland Cervejaria, contou um pouco sobre a trajetória da empresa e suas estratégias para o futuro. A palestra, segundo ele, traduz muito de como a Bierland enxerga o mercado e de como vem se preparando para participar dessas mudanças de forma mais ativa e como um competidor muito efetivo.

Segundo Rubens Deeke, para permanecerem no mercado as microcervejarias terão que crescer atingindo capacidades de produção ao redor de 1 milhão de litros por mês. Também explicou que a competição aumenta ano a ano e que as cervejarias terão que praticar preços menores para as cervejas especiais. O consumidor atual já não aceita pagar como antes por uma lata de cerveja artesanal.

Deeke descreveu em cinco atos a evolução da indústria de cervejas artesanais começando pelo surgimento desse mercado, passando pelas fases de abertura, crescimento e transformação do mercado até culminar com o futuro do setor no Brasil. Acredito que, numa média geral, estamos vivenciando entre a terceira e quarta fase desse processo que envolve, conforme citado por Rubens Deeke a ampliação dos estilos, criação de novos produtos e o aumento do consumo das cervejas especiais.

Na fase de transformação, estamos vivenciando também o amadurecimento dos consumidores. Desenvolveram seus conhecimentos sobre cervejas e, por conseqüência, já não aceitam qualquer produto, querem qualidade e padronização dos produtos.

Outro alerta do especialista é quanto a competição que para ele já é bastante acirrada, sendo que em diversas regiões já existe uma saturação de microcervejarias, proporcionando uma guerra de preços desenfreada.

Futuro Para vencer esses obstáculos e obter sucesso nesse mercado nos próximos anos, Rubens Deeke elencou alguns tópicos que considera indispensáveis para esse objetivo:

• Investimento em gestão, otimização de custos,melhoria de processos, tecnologia e capacitação;
• Racionalização das margens e ganho de escala;
• Segmentação por público alvo, área de atuação, linhas de produtos, conceito;
• Surgimento de micros de médio porte;
• Intensificação da disputa pelo meio da pirâmide;
• Queda dos preços das cervejas especiais e aumento da demanda por qualidade e consistência;
• Evolução e simplificação do modelo tributário;
• Fortalecimento da atuação local e dos brew pubs;
• Produção de outras bebidas e uso de novas embalagens;
• Introdução dos conceitos da Indústria 4.0

O mercado de cervejas, assim como os outros bens de consumo em geral, mostra nesse final de ano uma tendência de pequeno crescimento em 2019, sendo que as cervejas artesanais ou especiais devem manter um crescimento bem maior. Algumas dessas considerações são bastante interessantes e merecem uma avaliação mais aprofundada de cada empresa de acordo com suas estratégias de crescimento para o futuro.

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